- O Globo
No limiar do que promete ser a disputa mais acirrada para a Presidência da República dos últimos 20 anos, estamos entrando em uma campanha política em que os recursos da moderna propaganda serão usados à exaustão para explorar as descobertas mais recentes da neurociência, que já definiu que o eleitor vota mais com a emoção do que com a razão.
O sociólogo Manuel Castells, baseado também em estudos da neurociência, diz que o medo é a emoção primária fundamental, a mais importante de nossa vida a influenciar as informações que alguém recebe.
O livro de John Mearsheimer sobre o hábito de mentir dos governantes, da Editora Zahar, debruça-se sobre o que ele chama de “mentiras estratégicas”, e uma das muitas facetas dessas mentiras “para o bem da pátria” é a difusão do medo.
Está aí a raiz da recente propaganda partidária do PT, apelando para o receio do que classificam de retrocesso caso a sigla seja derrotada nas urnas. Para se contrapor à tendência à mudança que as pesquisas apontam como a principal motivação para o voto nesta eleição.
É interessante observar que, embora esteja na frente nas pesquisas, a presidente Dilma concorre à reeleição com dificuldades que a fazem dizer uma frase como a revelada por Renato Maurício Prado no GLOBO, num encontro da presidente com jornalistas esportivos recentemente no Palácio da Alvorada em Brasília: “É a minha hora. E vou até o fim. Perdendo ou ganhando”.
As primeiras campanhas propagandísticas com vistas à reeleição foram realizadas com o objetivo de evitar a derrota, o que indica uma fragilidade que não seria de se supor em uma presidente de posse de todas as forças inerentes ao cargo que ocupa. O que revela que ela não tem pleno controle dessas forças.
Não é de estranhar que esse tenha sido o caminho escolhido pelo marqueteiro João Santana, que já admitiu certa vez que, numa campanha, trabalham-se “produções simbólicas”, tentando captar “o imaginário da população”, não exatamente a verdade dos fatos.
Nessa guerra que se avizinha, como em todas as guerras, a verdade é a primeira vítima, na frase famosa atribuída geralmente ao senador americano Hiram Johnson. Em sua obra “A República”, Platão afirma que os governantes têm o direito de não dizer a verdade para os cidadãos, e até mesmo de mentir “no interesse da própria cidade”.
O governo Dilma leva essa permissão platônica ao pé da letra e cria um mundo de ficção que esbarra na realidade. É o caso dos aeroportos, que Dilma declarou ontem prontos para receber os milhões de turistas esperados para a Copa.
É por isso que estamos vendo um verdadeiro festival de traições nos bastidores da política, à medida que a campanha eleitoral vai se aproximando das datas marcadas pelo calendário oficial para a definição das candidaturas.
Quem mais sofre nessas situações é o governo, que tem mais a perder do que a depauperada oposição. A começar pelos minutos de propaganda oficial, que podem dar a Dilma quase três vezes o tempo do candidato em 2º nas pesquisas, o senador Aécio Neves, do PSDB.
Cada minuto retirado da principal oponente pode valer até o dobro para a oposição, e quem tem tempo de propaganda para negociar, como o PMDB (perto de 5 minutos) ou o PSD (cerca de 2 minutos), ganha dimensões políticas que a atuação parlamentar muitas vezes não justifica.
A vice-presidência da chapa tucana está na mesa de negociações, enquanto Michel Temer, do PMDB, o vice de Dilma Rousseff, precisa ser ratificado na convenção de junho para garantir aos governistas a hegemonia na propaganda partidária.
Correndo por fora, a dupla Eduardo Campos-Marina Silva joga com a rejeição aos políticos tradicionais para superar as barreiras logísticas impostas pela fragilidade de suas bases partidárias formais.
O que já desandou na estratégia política governista foi a realização da Copa do Mundo como instrumento galvanizador dos anseios nacionais. Ao contrário, as necessidades da população nos grandes centros urbanos do país contrastam com a orgia de gastos públicos nos 12 estádios, colocando em xeque, talvez pela 1ª vez na História do país tratando-se de futebol, as prioridades do governo, definidas em detrimento das mais prementes demandas da população.
A seleção não deixará de ser “a pátria de chuteiras”, na definição perene de Nelson Rodrigues, mas o patriotismo não servirá de refúgio para as deficiências do governo.
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