• Ex-ministro da Educação do governo Lula, o senador diz que a academia brasileira é intelectualmente despreparada, afastou-se da realidade e foi cooptada pelo PT
Entrevista de Cristovam Buarque ao repórter Robson Bonin
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) é um tipo de político cada vez mais raro no país. Doutor em Economia pela Sorbonne, ele usa o mandato como instrumento de defesa de interesses coletivos, como uma reforma profunda na área da educação, e não para obtenção de certos benefícios tão consagrados no mensalão e no petrolão. Considerado quixotesco pelos colegas, Cristovam, ex-petista, faz jus à fama nesta entrevista à VEJA, em que, entre desiludido e esperançoso, defende a extinção dos atuais partidos, exorta governistas e oposicionistas a conversar pelo bem do Brasil e cobra o fim da promiscuidade entre empresários e agentes públicos.
Como o senhor avalia a situação política da presidente Dilma Rousseff ?
- Um dos grandes problemas é que ela está rodeada por aduladores e apoiadores que têm medo de dizer a verdade. Talvez isso seja culpa dela, que reage mal ao que lhe é dito. O fato é que a presidente não é capaz de apresentar ao Brasil uma agenda para o futuro. A agenda dela hoje é o impeachment. Ela passa os dias distribuindo cargos em troca de votos contra o impedimento. O país não aguenta isso.
O senhor já conversou com a presidente sobre a crise?
- Em agosto do ano passado, eu e outros cinco senadores tivemos uma conversa com ela. Como achava.que a Dilma nem iria nos ouvir, levei uma carta, lida na frente dela, que dizia: "Presidente, o país tem três situações adiante que são extremamente ruins para o futuro. O seu impeacbment, a sua cassação e a continuidade do seu governo não são bons para o país'”. A carta sugeria alguns passos. Que a presidente fosse ao Congresso para fazer um discurso ao Brasil pedindo desculpas pelos erros cometidos. Que afirmasse que usaria os próximos três anos para acertar o rumo do país. E que anunciasse que não era mais do PT, que o seu partido a partir dali seria o Brasil.
A presidente não acolheu as sugestões. Hoje, o senhor é favor do impeachment?
- Impeachment não é golpe, está na Constituição e até já fizemos um. Se for
discutir golpe no Brasil, talvez ele tenha ocorrido em outubro de 2014, com todo aquele estelionato eleitoral. A Constituição não prevê o impedimento por incompetência ou por mentiras durante a campanha, mas por um crime de responsabilidade. Não direi como vou votar porque, como serei um dos juízes, não posso antecipar o voto.
Agrava a situação de Dilma o fato de ela estar cercada de ministros investigados por corrupção?
- O pior é que a presidente está dentro de tudo isso. O nome dela não aparece, mas ela é chefe desse pessoal investigado por corrupção e foi beneficiada por todas essas coisas.
Como é ser crítico ao governo e, ao mesmo tempo, integrante de um partido da base governista?
Pago um preço muito alto por isso. Em 2007, em troca do Ministério do Trabalho, o presidente do meu partido, Carlos Lupi, fez a opção de se atrelar ao PT e transformar o PDT num puxadinho do PT. A verdade é esta: o PDT virou um puxadinho do PT. Fui critico disso, desde o começo. Como é que a gente critica a corrupção se o PDT está no governo que tem corrupção? A corrupção não é só do PT. É do PDT, do PMDB e dos outros partidos que estão se escondendo debaixo das asas do PT.
A política partidária está em crise?
- Os partidos perderam o prazo de validade. Era preciso acabar com todos os partidos que estão aí, declarar uma moratória partidária de seis meses e criar novos partidos com outros quadros, que prezem a ética e a ideologia partidária. Tanto o PT quanto o PSDB representam um modelo fracassado de país. O PT é culpado por ter cometido tantos erros no governo. E o PSDB tem responsabilidade por não ter feito uma oposição a favor do país. Os tucanos dizem que não é papel da oposição oferecer alternativas. Estão errados. A oposição tem de oferecer alternativas tão radicais que o próprio governo aceite implementá-las para ganhar o eleitor.
Por que o senhor deixou o PT em 2005, quando o mensalão já estava descoberto?
- Antes de sair, escrevi uma carta de análise do governo. Eu alertava no texto que a gente estava perdendo o rumo, se acomodando, se viciando. Alertava também para o horror ao mérito na administração petista. O PT loteou o governo de incompetentes e perdeu a capacidade de transformar a sociedade. Ê um partido desmoralizado politicamente por ter abandonado todos os sonhos que pregou. Isso matou o PT.
O cantor Chico Buarque foi hostilizado no Rio por defender o PT. O país está mais intolerante politicamente?
- Aquilo só ocorreu porque o próprio PT tem sido muito intolerante. As pessoas não estão se dando conta de que essa intolerância é um dos grandes riscos para o Brasil. Ela está saindo do limite. O Chico é um defensor dos erros petistas, mas não faz parte do grupo dos intolerantes que atacam quem pensa de modo diferente do PT. Não é como aquele ator Zé de Abreu. Mandei uma carta ao Chico solidarizando-me, mas cobrei que ele mobilizasse os artistas em um movimento de tolerância. Ele ainda não respondeu. Tucanos e petistas precisam ouvir uns aos outros.
Por que ninguém cobra o afastamento do Presidente do Senado, Renan Calheiros?
- Quando houve aquele caso anterior, do pagamento das despesas de uma filha dele por um lobista de empreiteira, cheguei a ir à casa do Renan para falar que ele deveria renunciar. Hoje, o processo dele está tão judicializado que talvez nem seja preciso cobrar isso - ou porque não chegou a hora ou porque vai passar da hora e a Justiça fará o seu trabalho.
O senhor acredita em um acórdão para salvar corruptos e corruptores?
- Uma das coisas ruins deste pais é a promiscuidade entre empresários e políticos e entre políticos e juízes. Nos EUA, ninguém vê ministro da Suprema Corte na rua. Lá, eles não dão entrevista. Aqui, ministro dá entrevista nos corredores. A promiscuidade é uma forma de corrupção não explícita. Ela não enriquece o bolso, mas corrói. Ê preciso quebrar isso. Juiz é juiz, politico é politico e empresário é empresário. Na hora de se encontrarem, que se encontrem nos autos, e não como é hoje.
A crise econômica vai piorar?
- Infelizmente, o cenário não é bom. As conquistas econômicas e sociais estão em risco. A estabilidade monetária deu lugar à inflação, enquanto a democracia segue quebrada, sem partidos nem políticos com espírito público e propostas de longo prazo. O Estado brasileiro está quebrado e deveria se concentrar em cuidar da educação, da saúde e da segurança e deixar as outras áreas para a iniciativa privada. Estamos muito atrasados.
Qual é o retrato da educação no governo Dilma?
- A Pátria Educadora não existe. O governo usa a educação como mero slogan para tentar enganar as pessoas. A revolução na educação passa por fazer a escola do mais pobre ser tão boa quanto à do mais rico. Isso é possível. Eu vi o prêmio da Fifa, de gol mais bonito do mundo, a este menino Wendell Lira, merecido, aliás. Ele só ganhou isso, mesmo sendo pobre, porque a bola é redonda para pobres e ricos. Se a bola fosse quadrada para o pobre, ele não faria aquele gol nem entraria em campo. Se a gente tivesse as escolas redondas, muitos Wendells seriam candidatos ao Prêmio Nobel.
Como o senhor, que já foi reitor da Universidade de Brasília, explica a omissão da academia em relação ao que se passa hoje no Brasil?
- A academia foi cooptada pelo PT. Na eleição passada, 54 reitores assinaram um manifesto de apoio à candidatura da presidente Dilma. Reitor não assina manifesto de apoio partidário. Ele pode até dizer em quem vota, porque representa uma comunidade, mas por que os reitores votaram? Porque teriam mais recursos para a universidade. Além disso, a academia está fragilizada por causa da má educação de base dos acadêmicos e do corporativismo. A universidade desconectou-se da realidade brasileira. Está subordinada aos sindicatos, fragmentada pelo corporativismo e pelo despreparo dos acadêmicos.
Como era_sua relação com o ex-presidente Lula, que o demitiu por telefone do cargo de Ministro da Educação?
- Sou um admirador daquele Lula histórico. Ele deu uma grande contribuição pelo simples fato de um operário ter chegado à Presidência em um país aristocrático como o Brasil. Poucos sabem, mas fui eu quem apresentou o Hugo Chávez ao Lula. O Chávez pedia, mas o Lula não queria conhecê-lo. Ele me dizia: "Isso é um milico golpista, não quero conhecer”. Eu respondia que esse milico tinha umas posições progressistas e seria presidente eleito. Marquei dois encontros que o Lula primeiro recusou para depois aceitar: com o Chávez e com o Fernando Henrique Cardoso.
O Bolsa família é um bom programa?
- O Bolsa Família deixou de ser um programa educador e se tornou um programa assistencialista, quando o Lula tirou a gestão do Ministério da Educação e a repassou ao Ministério do Desenvolvimento Social. O Lula misturou vários programas assistenciais ao Bolsa Escola e juntou tudo com a genialidade do Duda Mendonça (ex-marqueteiro do PT), que mudou o nome Bolsa Escola para Bolsa Família. Quando uma mãe recebe dinheiro de um programa que se chama Bolsa Escola, ela pensa: eu recebo esse dinheiro porque meu filho vai à escola e pela escola ele vai sair da pobreza. Já quando o nome é Bolsa Família, ela pensa que recebe porque a família é pobre e que, se sair da pobreza, vai parar de receber o dinheiro. Não há porta de saída.
O senhor se surpreende com a fortuna acumulada por Lula e sua família depois da chegada ao poder?
- Vejo com profunda tristeza que isso tenha acontecido. Ao mesmo tempo, vejo com satisfação que a gente esteja sabendo, que isso não está mais escondido. Espero que as investigações não fiquem só nele.
O senhor acredita na viabilidade da candidatura de Lula ao Planalto em 2018?
- Se o governo da Dilma for até o fim e se o juiz Sergio Moro e o Ministério Público levarem a Lava-Jato até o final, o Lula estará morto em 2018. Mas, se a Dilma cair, e o PT e o Lula forem para a oposição com o discurso de vítimas de um golpe e o governo que substituir o atual for incompetente... Vai depender de o Lula conseguir convencer o povo a lembrar só das coisas positivas dele e esquecer do resto. O Lula é um ilusionista.
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(Páginas Amarelas da Revista Veja, edição nº 2.461 – ano 49 – 20 de janeiro de 2016)
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