segunda-feira, 7 de agosto de 2017

TLP vem em boa hora| Gustavo Loyola

- Valor Econômico

Ao contrário da atual TJLP, a TLP poderá se tornar a verdadeira taxa de juros de longo prazo no Brasil

A ideia da substituição, nas operações do BNDES, de uma taxa de juros administrada (TJLP) por uma determinada por parâmetros de mercado (TLP) tem sofrido críticas de várias origens: empresários, economistas e políticos. Os argumentos contrários à medida são, contudo, frágeis e não resistem ao teste da realidade.

Com a TLP, as operações do BNDES terão remuneração compatível com as taxas de juros de mercado, permitindo que os ativos de créditos do banco sejam securitizados, o que trará uma fonte adicional de captação de recursos para a instituição. Facilitará, ainda, que instituições privadas possam se associar ao BNDES em operações de financiamento, diluindo assim o risco de crédito para o banco oficial. Assim, ao contrário da TJLP, a TLP poderá se tornar a verdadeira taxa de juros de longo prazo no Brasil, com consequências positivas para o mercado de capitais como um todo.

Além disso, a utilização de taxas de mercado nas operações do BNDES deverá melhorar a alocação de recursos na economia. Num país com uma baixa taxa de investimento como o Brasil, mais do que em qualquer outro lugar, é imperioso assegurar que os escassos recursos estejam direcionados para projetos de alto retorno econômico. No caso de externalidades, vale dizer, quando os benefícios sociais excederem os privados, o emprego da TLP não impediria haver subsídios explícitos desde que integrassem o orçamento da União, como recomendam as boas práticas de finanças públicas.


A propósito, com a TLP seriam evitados os subsídios financeiros indiscriminados pelo Tesouro aos mutuários do BNDES que criam um permanente estado de excesso de demanda nos guichês da instituição, pressionando de forma permanente e insidiosa pela abertura dos cofres públicos, como vimos ocorrer durante a desastrosa gestão fiscal do governo anterior. O BNDES passará a operar de acordo com sua capacidade de "funding" em mercado, sem risco de se repetir a explosão de repasses do Tesouro ao banco ocorrida em passado recente.

Ademais, a adoção da TLP será um passo importante para a eliminação do crédito direcionado, uma das características "subdesenvolvidas" do mercado financeiro no Brasil. Típico de situações de repressão financeira, o direcionamento de crédito é um dos obstáculos para a queda dos "spreads" na intermediação financeira, além de afetar negativamente os canais de transmissão da política monetária. Em síntese, a TLP pode se constituir num instrumento para menores taxas de juros no futuro, beneficiando a todos.

Diante de tantas vantagens, o que podem apresentar os detratores da TLP como argumentos contrários à sua adoção? Pouco, como veremos.

Um tipo de argumentação contrária à TLP refere-se de um modo ou de outro aos elevados custos de capital no Brasil que seriam inviabilizadores do investimento, na ausência dos juros "módicos" ofertados pelo BNDES. Além de ser fraca, para dizer o mínimo, a correlação entre os desembolsos do BNDES e a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), o argumento desconhece os papéis da situação fiscal e do crédito direcionado para a existência de juros elevados no país.

Assim, equivoca-se quem simplesmente se utiliza de um exercício comparativo entre o que foi a TJLP no passado e o que teria sido a TLP para "demonstrar" que esta trará o encarecimento do crédito do BNDES no futuro. Tal conclusão ignora o potencial efeito benéfico que a adoção da TLP trará sobre o comportamento futuro dos juros no Brasil.

Outro tipo de argumentação ataca a "imprevisibilidade" da TLP quando comparada à TJLP. O próprio presidente atual do BNDES manifestou tal preocupação. Muito embora seja verdade que os preços da NTN-B (referência para a TLP) tenham a volatilidade natural de uma cotação de mercado, isso não quer dizer necessariamente que há mais incertezas associadas à TLP do que à TJLP.

Recorrendo às velhas lições de Frank Knight, há uma diferença entre risco e incerteza, sendo o primeiro mensurável enquanto a segunda não o é. As NTN-B trazem riscos de mercado para os detentores do ativo, mas não incertezas. É perfeitamente possível associar uma distribuição de probabilidades ao preço daquele título e modelar o risco de mercado correspondente. Com isso, é viável se adquirir um "seguro" em relação a tal risco, como, por exemplo, através de derivativos financeiros.

Não se pode dizer o mesmo dos ativos denominados em TJLP. Como a taxa é fixada em função de uma decisão discricionária do CMN, o que há neste caso é uma "incerteza pura" para quem está exposto a ativos nela denominados, não sendo possível se proteger contra tal incerteza através de um seguro. Ou seja, o que de fato é imprevisível é a TJLP que depende apenas das cabeças coroadas do CMN, que mudam a sabor do momento político.

Um terceiro tipo de crítica aponta que a TLP seria até aceitável nas operações feitas com recursos de mercado ou captados junto ao Tesouro, mas não naquelas realizadas com recursos destinados constitucionalmente ao BNDES, por meio do FAT. Em síntese, o argumento baseia-se apenas no aspecto formal da neutralidade fiscal do uso da TJLP, ignorando injustificadamente o custo de oportunidade do uso dos recursos do fundo para outros fins, inclusive para quitar dívida pública mais onerosa.

Como vimos, há vantagens palpáveis na substituição da TJLP pela TLP. Na realidade, tal mudança pode ser o marco inicial de uma ampla reforma microeconômica transformadora da intermediação financeira no Brasil.
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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.

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