quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Aos 25 anos da morte de Ulysses, aura do sr. Diretas se mantém | Clóvis Rossi

- Folha de S. Paulo

Ulysses da Silveira Guimarães ganhou na eleição indireta a aura de campeão da democracia que, no entanto, a democracia propriamente dita lhe negaria na hora do voto direto.

Posto de outra forma: político moderado por excelência, Ulysses lançou-se anticandidato na eleição indireta de 1974, sabendo que perderia porque a ditadura militar tinha maioria folgada no Colégio Eleitoral.

Mas a derrota inevitável catapultou-o à posição de principal voz da oposição ao regime, que iniciava naquele exato momento o que o presidente de turno, general Ernesto Geisel, batizara de "abertura lenta, gradual e segura".

Ulysses, presidente do único partido de oposição consentido à época, lançou-se a partir daí à tarefa de tentar fazer com quem a abertura fosse menos lenta e gradual, mas não menos segura (afinal, ele nascera politicamente no velho PSD, não esse do ministro Gilberto Kassab, mas aquele que Getúlio Vargas criara como contraponto moderado ao "progressismo" do velho PTB).

Esse empenho fez dele o "Senhor Diretas", o rosto mais simbólico na coalizão que liderava a campanha pelas Diretas-Já, o maior movimento de massas jamais visto no Brasil até então.

A pressão da rua, formidável, alegre, não conseguiu convencer o Congresso Nacional a aprovar a chamada emenda Dante de Oliveira, que estabeleceria a eleição direta para a sucessão do general João Baptista de Figueiredo, a se dar em 1985.

Esse papel de liderança de massas não combinava com o jeito Ulysses de ser: não era populista, como Janio Quadros; não era jovem, como Fernando Collor de Mello; não tinha a estampa que os marqueteiros passaram a exigir dos candidatos, como ocorreu com Duda Mendonça e Luiz Inácio Lula da Silva; não era um orador notável nem a sua dicção o ajudava.

Era, antes e acima de tudo, um conciliador, um negociador, ao velho estilo do PSD de antigamente, do qual se dizia que só se reunia quando tudo já estivesse decidido.

CONCILIADOR
Que as diretas em 1985 seriam a oportunidade perfeita para que Ulysses tentasse a Presidência ficou claro quando ele me pediu, por intermédio de Fernando Gasparian, então secretário de Relações Internacionais do PMDB (morto em 2006), que intermediasse uma reunião entre a cúpula do PMDB e o então recém-eleito presidente da Argentina, Raúl Alfonsín.

Estávamos em dezembro de 1983 e a Argentina sepultara nas urnas uma ditadura de sete anos. Ulysses queria usar a foto do encontro como uma mensagem de que o Brasil deveria seguir idêntico caminho.

A reunião de fato ocorreu, presentes, além de Ulysses e Gasparian, também Fernando Henrique Cardoso e Miguel Arraes, o que compunha um bom mosaico do que era o heterogêneo PMDB.

Só a munheca política do velho articulador conseguia manter mais ou menos unida uma tal confederação de lideranças de ideologias (e apetites) tão divergentes.

No mês seguinte, foi lançada a campanha das Diretas-Já, para a qual Ulysses atraiu todos os políticos que seriam adversários potenciais de sua eventual candidatura presidencial: nos palanques estiveram Lula e Brizola, Arraes e FHC, Mário Covas e Tancredo Neves.

Com Tancredo, do mesmo PMDB, havia uma espécie de pacto não escrito -e jamais explicitado: se houvesse eleição direta, Ulysses seria o candidato; se a eleição indireta se mantivesse, como se manteve, a vez seria de Tancredo.

Ainda houve um último momento em que Ulysses poderia ter sido presidente: quando Tancredo ficou doente, horas antes da posse, houve quem dissesse que o presidente do PMDB (e da Câmara dos Deputados) deveria assumir, em vez do vice, que era José Sarney.

Não era uma hipótese consistente e Ulysses não se agarrou a ela, conciliador como era.

Sarney acabaria por enterrar a derradeira chance que se abriu a Ulysses Guimarães para chegar ao Palácio do Planalto: empenhou-se para que o Congresso Constituinte, instalado em 1987, lhe desse um mandato de cinco anos, em vez dos quatro que tinham o apoio da maioria do eleitorado e do próprio Ulysses, presidente da Constituinte.

Este último papel deu de novo extrema relevância ao veterano político, o que permitia supor que seria um candidato forte se o pleito tivesse sido em 1988.

No ano seguinte, o desgaste do PMDB de Ulysses (e de Sarney) era tal que o "Sr. Diretas" teve apenas 4% dos votos, sétimo colocado entre 22 candidatos, quando as diretas finalmente chegaram.

Acabava-se o tempo de Ulysses, o homem das diretas e o ícone de uma constituição que ele chamava carinhosamente de "Constituição Cidadã".

PODER AFRODISÍACO
Foi acima de tudo um animal político por excelência. Lembro-me de uma caravana que ele fez pelo Nordeste, na pré-campanha de 1988/89. Ulysses, já setentão, participou de um comício em Teresina, foi de madrugada a um jantar com correligionários e, cedo na manhã seguinte, estava no aeroporto para seguir viagem.

Brinquei com ele, 27 anos mais velho: "Dr. Ulysses, esse negócio de política é para jovens como o senhor; eu não tenho saúde para tudo isso".

Não era à toa que ele costumava dizer que o poder era afrodisíaco. Ninguém como ele esteve tanto tempo tão perto do poder e, ao mesmo tempo, longe do topo.

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