sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

José de Souza Martins: Por quê?

- Valor Econômico

Chegamos ao final do ano sem graça de 2017 saturados de informações sobre o Brasil que não deu certo, o Brasil da corrupção, do desemprego alarmante, da pobreza enorme, da violência, da droga e do tráfico, da falta de horizontes. O Brasil do pouco convincente noticiário sobre indícios de recuperação da economia e menos convincente ainda de que com a recuperação econômica tudo o mais se resolve, os problemas sociais, a formação das novas gerações. O noticiário pouco convincente, no entanto, traçou o retrato de um país sem perspectiva.

Desde que o Brasil começou a afundar, quando os episódios iniciais do mensalão ganharam corpo e os podres da República passaram a ocupar o tempo e a paciência dos brasileiros, ficou claro que os mediadores da informação perderam de vista que a informação sobre o país do mal não suprimia o labor do país do bem.

O país das manchetes e chamadas do noticiário desencontrou-se com o país real, o país que sofre sem dúvida, mas também o país que trabalha, que cria, que inventa. A fala informativa foi capturada pela lógica perversa do primado da visibilidade. O Brasil da fala e da escrita não é o Brasil que sussurra, que tem vergonha do que dizem que somos mas teima na busca própria de quem tem responsabilidade e vergonha.

Há mais de dez anos estamos subjugados por uma pauta de notícias dominada por assuntos que nos dizem todos os dias aquilo que não somos, quase sem espaço para dizer o que somos. Nós não somos os ladrões, os corruptos, os oportunistas que se tornaram os brasileiros preferenciais da formação da opinião pública. A imensa maioria trabalha, cria, aprende e ensina. Para falar do ano passado, não houve destaque para o papel das inventivas pessoas simples que improvisaram alternativas sociais de sobrevivência econômica. Tampouco se deu o devido destaque à extensa criação brasileira no campo da ciência, da literatura e da arte. Tudo reduzido à minúscula extensão das coisas de somenos.

A universidade entrou no noticiário como questão de polícia, por aquilo que ela não é: o acidental, o anômalo, os conflitos internos descabidos, os desmandos mais descabidos ainda, o totalitarismo dos mandões, aquilo que só tem sentido para aqueles cuja mentalidade está aquém do que é próprio do mundo da cultura. Ficou de fora aquilo que nos diz o quanto somos competentes e o quanto somos capazes de superações, apesar dos governos que não nos merecem.

No entanto, tratamos como grande o que é pequeno. Os especialistas em estatística produzem informações comparativas para indicar tendências dos fenômenos observados. Dizem para onde, provavelmente, estamos indo, mas não raro esse vamos pode ser também para onde provavelmente não vamos. Vejamos como o Pnad Contínuo, do IBGE, viu a situação do país em certo momento de 2017.

Quanto à ocupação no terceiro trimestre, além de ficar sabendo que a taxa de desemprego continuou bem mais alta do que a de vários anos anteriores, ficamos sabendo ainda que foi 0,6% mais alta do que o mesmo período de 2016. Mas é 0,6% mais baixa do que a do trimestre anterior, de 2017. Ou seja, piorou, mas melhorou. Aumentou em 1,6% a população ocupada em relação ao ano anterior. Mas o aumento do rendimento médio real, nos últimos três anos, foi de apenas R$ 5,00 por pessoa.

Não obstante o aumento de 1,6% nas ocupações em relação ao ano anterior, o número de pessoas com carteira assinada no setor privado caiu 810 mil (menos 2,4%). Em compensação, o número de pessoas, no mesmo setor privado, sem carteira assinada, aumentou 6,2%, 641 mil pessoas. A modestíssima economia social dos "zero vírgula" contrastou amplamente com a espantosa "economia impolítica dos nhões", revelada pelas investigações na Operação Lava-Jato: milhões pra cá, bilhões pr'acolá.

Na rua Bela Vista, no centro de São Paulo, um painel eletrônico com o nome de "impostômetro" anuncia dia e noite quanto se paga de impostos neste país. É um painel bobo, por várias razões. São tantos os "nhões" ali indicados que é impossível pronunciar-lhes a verdadeira quantia.

Além do que, se a intenção é denunciar a iniquidade da tributação, seria necessário indicar um parâmetro de contrapartida, como o de quanto de injustiça social a arrecadação revela: quanto de mau uso, de uso antissocial do dinheiro público, quanto de serviços precários de saúde pública, quanto de precárias escolas públicas, quanto de salários iníquos aos profissionais de profissões vitais e decisivas, como o magistério, a saúde e a segurança. Sem essas referências, sem um injustiçômetro o impostômetro nada diz. Ao contrário, esconde.

É nos números e nos destaques que sugerem, nas manchetes dos "nhões", que está nossa fraqueza política.
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José de Souza Martins é sociólogo. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, autor de “A Política do Brasil Lúmpen e Místico” (Contexto).

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