Concluído na semana passada após mais de um ano de investigação e cinco pedidos de prorrogação de prazo, o relatório do inquérito referente ao já famoso Decreto dos Portos permite duas constatações. A primeira: o presidente da República, Michel Temer, parece mesmo ter colhido benefícios pessoais de suas históricas relações com o setor portuário. Segunda: a investigação da Polícia Federal não conseguiu provar nenhuma ilegalidade diretamente atrelada à edição do Decreto 9.048/2014 e, por tabela, inviabilizou investimentos de bilhões de reais nos portos.
Em muitas das mais de 800 páginas do relatório final, já encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, os investigadores demonstram espanto com o fato de empresários do setor terem participado das discussões sobre o decreto. De fato, representantes das principais empresas portuárias fizeram sugestões e acompanharam reuniões na Casa Civil durante o processo de construção do texto, como em atos sobre diferentes setores que são ouvidos antes de serem editadas as leis.
Também chamou a atenção dos policiais o fato de Temer ter determinado a instalação do grupo de trabalho do decreto apenas dois dias após assumir definitivamente a Presidência da República, o que denota um interesse especial pelo tema. A participação ativa do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, conhecido com o "homem da mala" e considerado como longa manus do presidente ajudou a contaminar de suspeitas o decreto, publicado em 10 maio de 2017.
A investigação, iniciada oficialmente em setembro do ano passado, aprofundou as suspeitas de que Temer é amigo de longa data das empresas de portos e que atuou em defesa dos seus interesses. Também expôs contradições graves, por exemplo, entre depoimentos do presidente e de seus familiares. Também indiciada, Maristela Temer garantira à Polícia ter pago com recursos próprios a reforma de sua casa. A PF provou, no entanto, que ela tratou de custos da obra diretamente com o pai político.
Isso sem falar nos vários depoimentos que atestaram pagamentos a pessoas próximas ao presidente, a quem coube o ônus de ter recebido, segundo o relatório, apenas R$ 5,9 milhões de empresas com interesses nos portos. Outros R$ 17 milhões, segundo a PF, circularam na órbita de Temer e de membros do seu grupo.
Imprescindível registrar, contudo, as consequências das constatações policiais sobre os planos de todo um setor econômico. Desde que a investigação começou, cerca de R$ 23 bilhões em investimentos estão represados. Dentro desse relevante universo de recursos há, sem dúvida, projetos tocados por empresários sérios, que certamente teriam efeitos positivos na economia, no emprego e na logística portuária.
Diante das suspeitas lançadas contra o decreto, o Tribunal de Contas da União entrou em cena. Os técnicos identificaram inconstitucionalidade em algumas medidas, mas o debate já estava contaminado. Apesar de integrantes do órgão de controle admitirem que haveria uma saída negociada para viabilizar os investimentos, ninguém mais estava disposto a avalizar o decreto.
Goste a PF ou não, empresários e lobistas dos mais diversos ramos são habitués dos gabinetes de Brasília. Participam ativamente das discussões e da elaboração de normativos públicos e, obviamente, buscam obter a máxima vantagem possível dessas políticas. Cabe ao Estado impor os limites, como aconteceu no Decreto dos Portos.
Advogado experiente e próximo ao presidente Temer, o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Gustavo Rocha, vetou a tentativa de Rocha Loures de ampliar o alcance das medidas do decreto. Nas mensagens interceptadas pela PF, ele diz que Temer ficaria exposto e que os empresários "já tinham conseguido coisas demais".
O decreto abria a possibilidade de importantes investimentos e deveria ser debatido na esfera técnica a não ser que ficasse evidenciado o pagamento de propina, o que não está provado no relatório.
Após mais de quatro anos de Operação Lava-Jato, a máquina pública está contaminada pelo medo. Servidores de todos os escalões se recusam a tomar decisões e assinar documentos, com receio de verem seus nomes atrelados a crimes. A paralisia já se traduz em números desastrosos de investimento que poderiam ser melhores se executada a tarefa de separar joio e trigo.
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