- O Estado de S.Paulo
Time de Bolsonaro insiste no déficit zero, mas desconversa sobre o principal, a Previdência
Pesquisas, trekkings, sondagens, palpites. Tudo confirma que o capitão da reserva Jair Bolsonaro deverá ser eleito presidente da República no domingo. Cercado de expectativas, as melhores e as piores, dependendo do lado do muro compacto em que se colocaram parcelas significativas dos eleitores. Acontece, porém, que mesmo entre os eleitores situados na ampla base de apoio do candidato do PSL, as aspirações comuns em relação ao futuro governo parecem concentradas num genérico mudar “tudo o que está aí”, verdadeiro mantra de Bolsonaro.
Mas o que é exatamente “tudo que está aí”, quais são as mudanças específicas esperadas e com que roupa, ou melhor, com que dinheiro elas serão executadas? A uma semana da eleição, com planos de governo revistos, reduzidos ou ampliados a todo momento, ainda é preciso pensar muitas vezes antes de responder às duas últimas perguntas.
Segundo pesquisa Ibope divulgada na semana passada, Bolsonaro é visto como representante dos interesses dos ricos (para 65% dos consultados), empresários (65%), bancos (54%) e jovens (46%). Essas características, embora reveladoras do perfil dominante dos eleitores do candidato favoritíssimo, ainda são insuficientes para definir o que eles esperam da sua gestão. Há, evidentemente, uma multiplicidade de expectativas da população que está fechada com Bolsonaro, como sempre acontece em mudanças de governo. Mais ainda neste momento, em que se aproxima do Planalto uma candidatura assumidamente de direita, que se apresenta como diferente, com personagens e algumas agendas fora do circuito das últimas disputas.
Na economia, por mudar “tudo que está aí”, pode-se entender, é óbvio, resgatar o Brasil do atoleiro em que se encontra -- com mais oportunidades de negócios para as empresas, dentro e fora do País, e mais oportunidades de emprego. Como o candidato pretende chegar aí, porém, é que são elas. Seja por estratégia eleitoral, seja por alguns desencontros entre os integrantes da equipe de Bolsonaro, o programa vem vindo a público aos poucos e ainda tem vazios importantes. Especialmente na área fiscal, onde, todos concordam, estão os maiores constrangimentos à atuação do próximo governo.
Aqui vão alguns pontos da reforma fiscal de Bolsonaro, que combina objetivos bastante ambiciosos, com as promessas de sempre e algumas novidades: 1) zerar o déficit primário do setor público em 2019, com ajuda da receita proveniente do leilão dos barris excedentes da cessão onerosa do pré-sal; 2) criar um imposto único federal, provavelmente com características semelhantes às da CPMF, em substituição a alguns tributos, como PIS/Cofins e IPI; 3) desonerar a folha de pagamento das empresas, de forma permanente; 4) cortar radicalmente os cargos comissionados da União, hoje na faixa de 23 mil; 5) promover uma reforma da Previdência, ainda que não se saiba exatamente qual – a proposta inicial de Guedes era parecida com a de Temer, mas o próprio Bolsonaro já confundiu o meio de campo, ao dizer (e depois desdizer) que o foco é o regime de servidores públicos.
Centro de qualquer programa para reequilibrar as contas públicas e, ao mesmo tempo, de extrema sensibilidade para o eleitorado em geral, a reforma da Previdência tem sido justamente a mais sujeita a idas e vindas, afirmações e desmentidos. Aliás, não só no programa de Bolsonaro, mas também no de Fernando Haddad (PT), cujas propostas de governo passaram nos últimos dias por procedimentos de lipoaspiração e preenchimentos, na tentativa de desempacar a candidatura.
Na edição de outubro da Carta de Conjuntura da FGV/Ibre, o economista Luiz Guilherme Schymura traça um quadro preocupante das finanças públicas no novo governo, caso o presidente não enfrente o que ele chama de “a malfadada agenda do ajuste fiscal”. A dívida bruta do setor público em cerca de 75% do PIB e o déficit primário na marca dos 2,0% são números que ainda indicam uma situação “perfeitamente administrável”, segundo Schymura, mas alertam para a necessidade de mudanças para evitar a deterioração do quadro. Se nada for feito, e principalmente se a Previdência ficar do jeito que está, em 2026, nas contas do Ibre, o déficit chegará a 3,6% do PIB e a dívida se tornará impagável.
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