- Valor Econômico
“O sistema está cheio de moleza para quem não precisa”, diz Arminio Fraga
A desigualdade de renda no Brasil é extrema. Depois de cair por vários anos, ela inverteu a trajetória a partir de 2015. O Estado não consegue responder a esse desafio. O impacto da ação do Estado brasileiro na redução da desigualdade é dos menores do mundo. É preciso fazer mais e melhor!
Com base nesse diagnóstico, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga prescreve um receituário bem diferente do que o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugere para lidar com os desequilíbrios fiscais que travam o crescimento econômico. Guedes quer desindexar, desvincular e desobrigar os gastos orçamentários, no âmbito de um novo pacto federativo.
Arminio parte de uma premissa contemporânea ao condicionar a retomada do crescimento à redução da desigualdade. “Na essência, estou falando de se atacar o quanto antes as desigualdades para deslanchar um círculo virtuoso de crescimento inclusivo e sustentável”, diz.
O quadro se agrava quando parte relevante da desigualdade crônica decorre de práticas patrimonialistas, corporativistas e de corrupção. O terreno, aí, torna-se fértil para o populismo. Ele completa: “A desigualdade é um veneno que dificulta a construção de uma agenda de reformas necessária para o crescimento”.
Atacar esse veneno requer uma “megafaxina” nas iniquidades, ineficiências e aberrações que existem na política de pessoal do setor público, nos gastos tributários e na Previdência social. A reforma da Previdência que está para ser votada no Senado, ao incluir Estados e municípios, terá efeito impactante. Falta a reforma do Estado e uma limpeza geral nos regimes tributários especiais, nas desonerações, nos subsídios.
Arminio considera possível obter de 2 a 3 pontos percentuais do PIB de economia em cada um desses três grandes blocos de despesa. Isso somado à alta de alguns impostos resultaria em um ajuste de até 9% do PIB em recursos que deveriam, segundo a sua visão, ser usados em mais investimentos na área social e para o sanar o déficit público.
“Uma resposta eficaz ao quadro de estagnação desigual passa, obrigatoriamente, pelo aumento dos investimentos públicos em saúde, educação, saneamento, transportes, segurança, infraestrutura e ambiente”, atesta ele, que define de onde viriam os recursos para os investimentos.
O gasto com Previdência e pessoal no Brasil chega a 80% da despesa total do Orçamento. É dos mais altos se confrontado com os de países de renda média. Os demais itens do Orçamento são de tal forma comprimidos que, nos últimos quatro anos, os investimentos públicos não foram suficientes sequer para repor sua depreciação. Uma meta seria cortar essa participação para 60% do gasto total no prazo de dez anos.
A resistência política às reformas é grande. Mas a terceira frente de combate às desigualdades daria “autoridade moral” para a proposta como um todo, acredita ele. São os gastos tributários - entendidos como a redução de impostos mediante desonerações e regimes especiais. Os subsídios concedidos pela União mais do que duplicaram, passando de 3% do PIB, em 2003, para 6,7% do PIB em 2015. Desde então, os subsídios financeiros e creditícios têm sido cortados, sobretudo os do BNDES, mas os gastos tributários permaneceram estáveis entre 2017 e 2018.
A soma dos subsídios foi de R$ 314,2 bilhões em 2018 e, para 2020, eles estão orçados em R$ 326,16 bilhões.
Do lado das receitas, Arminio sugere uma revisão nas deduções e isenções no Imposto de Renda das pessoas físicas; aumento da alíquota para rendas mais elevadas; o fim da “pejotização”, que permite que indivíduos com altas rendas paguem IR bem menor que o da tabela do IRPF. A faxina teria que pegar também o Simples e o imposto sobre o lucro presumido, cita.
A tributação sobre a renda do capital é baixa, diz. Ele propõe a inclusão dos dividendos na renda tributável. E, para os casos de investidores com patrimônio elevado que podem criar fundos fechados, ele cria duas opções: ou se eliminam os veículos do diferimento do imposto; ou abre-se alternativa de uma conta de investimento, isenta do imposto até o resgate, para todos, e não apenas para “os mais abastados”. Embora a segunda opção seja regressiva do ponto de vista distributivo, ela aumentaria a poupança nacional, que se reverteria em mais investimentos.
O imposto sobre heranças e doações, que varia de 4% a 8% nos Estados, deveria ter uma escala com alíquotas mais elevadas e com uma boa base de isenção. Nos EUA, a alíquota mais alta chega a 45%, mas há limite grande de doações isentas.
Outra sugestão do ex-presidente do BC é uma redução da tarifa média e da variância de alíquotas do imposto de importação sem justificativa econômica, o que leva à suspeita de captura do Estado por alguns segmentos. Ou seja, dar um passo maior na direção de uma economia mais aberta deve ser um objetivo para os próximos cinco a oito anos.
Embora não apresente os números, Arminio garante que o peso do corte de gastos é bem superior ao do aumento sugerido para a carga de impostos. “Minha proposta é progressista no levantamento do dinheiro e no gasto para igualdade de oportunidade. Essa é a lógica do meu trabalho”, diz. Ele consolidou essas propostas em um texto intitulado “Estado, desigualdade e crescimento no Brasil”, que tem orientado suas apresentações internas e externas.
“As coisas foram acontecendo ao longo de décadas e só somando, somando, sem saber de onde vinha o dinheiro. Quando você faz as contas, vê que é um sistema que está cheio de moleza para quem não precisa, para quem não merece, e a carga tributária é muito horizontal. Não é à toa que gerou esse resultado: o baixo crescimento associado à desigualdade. Esse é um ponto polêmico”, reconhece.
Para ele, “não dá mais para esperar o bolo crescer para, lá na frente, investir no social”. Pode-se imaginar que esse seria um programa de um governo social-democrata ou de esquerda para resolver o rombo fiscal e as questões da desigualdade e do baixo crescimento. Assim como o plano de Paulo Guedes, porém, trata-se de uma discussão a ser travada no Congresso.
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