sábado, 10 de setembro de 2022

Demétrio Magnoli - Mensagens chilenas

Folha de S. Paulo

A chance desperdiçada de constitucionalizar direitos sociais é lição para a esquerda do Brasil

Gabriel Boric, o jovem presidente chileno, sabe o significado da palavra democracia. Diante da derrota avassaladora da proposta de nova Constituição, falou em "autocrítica", pedindo "mais diálogo" para formular uma Constituição "que nos interprete a todos".

A Constituinte eleita na esteira das mobilizações populares tinha maioria da nova esquerda pós-moderna, que escolheu o caminho de produzir uma Constituição igual a si mesma. O texto foi rejeitado por 62% dos eleitores. Nem o apoio condicional da centro-esquerda (PS) e de parte do centro (DC) evitou o fracasso humilhante.

Constituições democráticas são contratos de princípios, que estabelecem as regras do jogo. Os constituintes chilenos escreveram uma Constituição programática, que pretendia determinar os resultados do jogo. O texto repelido fazia do programa de uma facção a lei do país. Por essa via, tentava congelar a política: os programas das outras facções se tornariam inconstitucionais.

"Pinochet renasceu", disse Gustavo Petro, presidente colombiano de esquerda, diante da decisão plebiscitária dos chilenos. Ele parece incapaz de aprender o que Boric entendeu. A primeira mensagem chilena é anti-autoritária: uma maioria circunstancial não deve se confundir com a nação inteira. Os outros —os que pensam diferente de mim— não são "inimigos do povo".

As manifestações que geraram a Constituinte pediam direitos universais (saúde, educação) e uma rede adequada de proteção social. Os constituintes responderam vendendo a quimera de instaurar uma Suécia em esteroides anabolizantes na América Latina. Mas, sobretudo, redigiram a primeira Constituição ancorada em políticas identitárias no mundo democrático: os povos originais e as mulheres foram alçados à condição de protagonistas exclusivos da vida pública.

No salão da Constituinte tremulavam as bandeiras de todos os povos indígenas, mas não a nacional. O texto final declara o Chile um "Estado plurinacional", proclamando o "autogoverno" dos povos indígenas e seu direito a "instituições jurisdicionais tradicionais". Só parece democracia: os indígenas chilenos ficariam submetidos a leis e tribunais criados por autoridades tradicionais. A nação única, disseram os eleitores, não precisa implicar opressão. Pelo contrário: é a garantia de direitos iguais de cidadania.

A pauta de gênero atravessa, obsessivamente, a Constituição derrotada. Mas, para surpresa dos constituintes, uma aplastante maioria de mulheres votou contra o texto ideológico.

De um lado, qualquer decisão judicial deveria subordinar-se a um subjetivo "enfoque de gênero", numa óbvia ruptura com o princípio da igualdade perante a lei. Todos os atos administrativos também deveriam conformar-se ao tal "enfoque de gênero", o que propiciaria a contestação perene das iniciativas cotidianas das autoridades eleitas.

De outro, uma regra de "paridade de gênero" teria que ser seguida na composição de todos os órgãos representativos, violando o direito popular de livre escolha dos representantes políticos. (Aqui no Brasil, os cavaleiros identitários nutrem o projeto de implantar tanto a "paridade de gênero", quanto cotas raciais nos órgãos eletivos).

Levada às suas consequências extremas, a política identitária é um assalto contra a democracia representativa e a igualdade jurídica dos cidadãos. A segunda mensagem chilena é anti-ideológica: a lei não pode ser entregue numa bandeja de prata a organizações de ativistas que se exibem como porta-vozes de identidades oprimidas.

No Chile, a esquerda desperdiçou a oportunidade histórica de constitucionalizar direitos sociais e econômicos, concluindo o ciclo aberto pelos protestos de massas. No lugar disso, ofereceu à direita a chance de enrolar-se nas bandeiras da unidade nacional e dos direitos de cidadania. É uma lição útil para a esquerda brasileira.

 

8 comentários:

Anônimo disse...

De forma semelhante ao não que o chileno deram a essa Constituição de esquerda nós brasileiros no dia 7 de setembro também dizemos ou não as políticas ideológicas de gênero a favor das drogas a legalização do aborto as invasões de terra pelo MST a ditadura de toga do ST F que hoje o primeiro povo censurando a sua voz prendendo de calando os opositores
O grito de sete de Setembro foi eloquente, foi um grito de liberdade em apoio ao presidente que nos representa
Para esquerda brasileira na figura do Lula , esse Mar de Grande nas ruas de todo o Brasil, foi só uma prévia para o que virá nas eleições
Presidente será reeleito, quiçá no primeiro turno

Anônimo disse...

Concordo com anônimo acima realmente o que nós vimos nas ruas foi um verdadeiro mar de gente.
Tava bonito de ver , foi de arrepiar!

Anônimo disse...

Mas é só para inglês ver não irá mudar o rumo da eleição.

Anônimo disse...

O anônimo primeiro disse um mar de grande e o segundo refere como o mar de gente, enfim ele concordou consigo mesmo. Assim serão os votos em Bolsonaro, votos duplos mas nem assim levará

Mais um amador disse...

Ótimo texto !

Anônimo disse...

O que nós vimos no atual governo foi um mar de lama e esgoto! Rachadinhas familiares, interferência na Polícia Federal, ministro do meio ambiente envolvido em tráfico internacional de madeira, ministro da educação envolvido em propinas pagas em bíblias e barras de ouro, em ambos os casos pedidas por pastores indicados pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro (como afirmou com todas as letras o pastor ministro), meia centena de imóveis da família presidencial (várias mansões inclusive) adquiridos com dinheiro vivo, ministro do turismo envolvido em fraudes eleitorais, sigilos de 100 anos pra encobrir dezenas de crimes e evitar que a imprensa tenha acesso às corrupções em vários ministérios e principalmente na presidência, que mantinha o Gabinete do Ódio para atacar jornalistas e opositores.

ADEMAR AMANCIO disse...

Reinaldo Azevedo disse a mesma coisa.

ADEMAR AMANCIO disse...

Respondendo ao anônimo,precisamos ver o caráter do ''mar de gente''.Pessoas muito violentas não podem representar uma nação,a violência do outro lado está dentro da normalidade,afinal,a terra não é habitada por anjos.