O Estado de S. Paulo
A inoperância caótica do Poder Executivo em Brasília é a maior notícia da temporada. Não obstante, quase não há reportagens a respeito
O noticiário só tem olhos e ouvidos para o
futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice, Geraldo Alckmin.
Notícias sobre a já célebre PEC da Transição, para providenciar um puxadinho no
teto de gastos, abarrotam espaços e horários jornalísticos. Arranjos e
rearranjos para preencher cargos nos ministérios também desfilam com destaque,
ao lado de relatos em torno da numerosa equipe de transição propriamente dita.
Tivemos, ainda, a intensa e inevitável cobertura da solenidade da diplomação
dos eleitos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na segunda-feira.
Olhando para os jornais e para os telejornais, a gente até esquece que ainda existe um presidente da República lá, um tal que não se chama Lula. O estranho é que o sujeito sumiu, deu um perdido. Talvez devesse responder por abandono de emprego. Para complicar o quadro, jamais declarou que admite o resultado eleitoral. Em vez disso, emite sinais de soslaio para insuflar o pessoal que bloqueia rodovias e se ajoelha na frente de quartéis rogando por um golpe militar. Pois este mesmo cidadão ainda é o chefe de Estado e o chefe de governo deste país aqui.
Trata-se de um fato chocante e
inconcebível. A inoperância caótica do Poder Executivo em Brasília é a maior
notícia da temporada. Que desmantelamento espantoso. Não obstante, quase não há
reportagens a respeito.
É verdade que, às vezes, uma coisinha ou
outra aparece. Por exemplo: os protestos que atearam fogo em automóveis nas
ruas da capital federal na noite de segunda acabaram aflorando nas páginas dos
diários e nos telejornais. Na terça-feira, anteontem, o Estado trouxe no alto
de sua primeira página, em bom tamanho, uma foto de Wilton Junior em que a
carcaça de um ônibus arde em chamas. Cena de guerra, de atentado terrorista.
Foi um dos poucos momentos em que um acontecimento relacionado ao atual
governante mereceu cobertura da imprensa.
Sim, o atentado incendiário que explodiu
nas avenidas brasilienses tem parte com o Palácio da Alvorada. O mandatário em
questão não faz nada contra a violência política que se espalha. Age por
omissão. É responsável porque se omite – no mínimo. A ele parecem interessar
somente o pânico e o desgoverno. Mas por que, exatamente? Com quem ele
conversa? Que ordens distribui? Será que isso não merecia mais atenção do
jornalismo?
A Justiça Eleitoral acertou ao antecipar em
uma semana a diplomação de Lula e Alckmin. O ato oficial, que deveria ocorrer
no dia 19, foi transferido para o dia 12. Com a alteração de agenda, o TSE
surpreendeu os delinquentes, que ficaram sem tempo para articular mais ataques
– que viriam, sem a menor dúvida. Basta olhar o que os baderneiros aprontaram
no dia 12 para constatar que, se tivessem mais sete dias, teriam barbarizado
ainda mais. Expelidos do submundo da política, eles transitam feito
mortos-vivos, que nem zumbis, como viúvas da banda mais selvagem da ditadura
militar. Até hoje, idolatram torturadores. Súditos de uma “tchutchuca do
centrão” que não dá as caras de peito aberto porque carece de coragem, assumem
para si o papelão de arruaceiros de aluguel. Vão atacar de novo.
O mandato do que ainda está no cargo vai
acabando, num final sem holofotes. A mentalidade autoritária e violenta vai
escorrendo de volta para a mesma escuridão de onde um dia escapuliu. Mas essa
energia maligna vai ficar por aí, ao menos por um tempo. Empoleirados nas
boleias do crime, os súditos da fantasia tirânica ainda tentarão estrangular
estradas, aterrorizar o País e desestabilizar o futuro governo. Ficarão de
tocaia, esperando a oportunidade. Eles são a maior realização deixada pelo
mandatário que se despede da cadeira. Por pouco, muito pouco, não conseguiram
reeleger o pacto distópico que os alucina. Fracassaram agora, com o seu
golpismo incompetente, mas voltarão.
Fiquemos de olho. Essas forças sombrias,
que no futuro merecerão o desprezo da História, não devem sair do foco do
jornalismo. Não é hora de esquecer nem de virar a página. Em que consistiu este
regurgitar do arbítrio? Por que se entranhou tão fundo nas famílias, nas
cidades, nas igrejas, em campos e construções do Brasil? Que nexo é este que
amarra redes sociais, igrejas, casernas, fazendas, milícias e o janotismo
delirante da Faria Lima? Quem os financia? Como? Quais as ligações
internacionais que os sustentam? Por que sua propaganda se mostrou tão
poderosa?
Não basta dizer que foi o dinheiro do
Auxílio Brasil que catapultou os votos da reeleição, porque não foi só isso. As
perguntas são muitas e seguem em busca de respostas. O que está se passando no
Brasil não é nada de corriqueiro. Há muito mais para entender – e há muitos
fatos mais a conhecer, daí a necessidade do jornalismo. O País pode ter memória
curta, mas a imprensa não tem mais esse direito.
Na segunda-feira, na cerimônia de
diplomação do presidente e do vice-presidente eleitos, o presidente do TSE,
Alexandre de Moraes, foi direto: “Os que atacaram a democracia, garanto, serão
integralmente responsabilizados”. E a imprensa, o que tem a garantir?
*Jornalista, é professor da ECA-USP
2 comentários:
O triste fim dum governo INCOMPETENTE! Comandado por um GENOCIDA...
Assim falou o bagulho do FHC, arrogante igual o dono de triste figura. Cara pálida do escambau.
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