Folha de S. Paulo
O último dia de Jair
Bolsonaro não foi 30 de dezembro de 2022, quando, ainda presidente,
abandonou Brasília para se acoitar nas
cercanias da Disney, em Orlando (EUA), e assim não dar posse a quem o
suplantou nas urnas.
O "Dia B" foi no último domingo, 8 de janeiro, em que hordas de apoiadores seus deram tradução brutalmente literal ao que, ainda candidato, anunciara como sua meta: "Destruir tudo isso daí" —nada menos do que a democracia brasileira. Pois não há a mais ínfima dúvida de que o ex-presidente é o autor intelectual —se é que o termo se lhe aplica— do ataque às sedes dos Poderes da República e da vandalização de seu patrimônio.
O extremismo político não brota naturalmente da sociedade: é produzido por líderes que exploram ressentimentos, temores e aspirações, em benefício de seus interesses ou de suas ideias sobre como o mundo é e deveria ser.
Para o jurista e cientista político Cass Sunstein,
da Universidade Harvard (EUA), são "empreendedores da polarização" ao
radicalizarem grupos com crenças similares. Ele constatou também que grupos que
compartilham visões assemelhadas e são avessos à controvérsia funcionam como
câmaras de eco que reforçam tais visões, disseminando posições extremadas.
No poder, Bolsonaro tratou de desacreditar
as instituições democráticas, especialmente as que se opunham a suas investidas
autoritárias, como o Supremo Tribunal
Federal e o Tribunal Superior
Eleitoral.
Sob seus auspícios, o "gabinete
do ódio" instalado na Presidência estimulou uma complexa teia de
empreendedores da polarização —influenciadores digitais, radialistas, pastores,
ativistas de extrema direita, financiadores— dedicados à desinformação e
dotados de capacidade de mobilização coordenada graças ao uso eficaz das redes
sociais. A violência incontida e o potencial destrutivo da extrema direita
revelaram-se nas horas em que a Esplanada dos Ministérios esteve em suas
garras.
Mas também as suas limitações ficaram
claras. Pesquisa do Instituto Quaest, já no domingo da vergonha, mostrou que a
ação dos vândalos foi rejeitada por 90% dos brasileiros, o que inclui por
definição uma parcela dos que ajudaram a reeleger Bolsonaro.
Da mesma forma, a resposta serena
e civilizada do novo governo, a firmeza da Suprema Corte, as manifestações das
lideranças do Congresso, dos 27 governadores, de entidades de classe, de
organizações da sociedade civil e, enfim, dos que protestaram nas ruas contra o
terrorismo venceram a desordem destinada a parir um golpe militar. Foi a
derrota da barbárie que Jair Bolsonaro encarnou a cada dia de seu mandato —até
o último.
*Professora titular aposentada de ciência
política da USP e pesquisadora do Cebrap.
2 comentários:
The Guardian
O golpe fracassado do Brasil é a flor venenosa da simbiose Trump-Bolsonaro
Juliano Borger
https://www-theguardian-com.translate.goog/world/2023/jan/10/brazil-coup-bolsonaro-trump-us-far-right?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
Mais de 70 parlamentares americanos e brasileiros condenam aliança Trump-Bolsonaro
https://www-theguardian-com.translate.goog/world/2023/jan/11/brazil-attack-jair-bolsonaro-donald-trump-us-congress?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
Muito boa a análise.
Postar um comentário