Valor Econômico
Apesar do esforço fiscal, mercado desconfia
do plano de Haddad
Alguns veículos tentaram rotular o pacote
de medidas econômicas baixadas pelo novo governo em 12 de janeiro de “Plano
Haddad”.
Parece que não pegou, mas essa tentativa é
comum na imprensa, para facilitar a rotulação de medidas do governo. Exatos 34
anos atrás, o hoje consultor econômico Mailson da Nóbrega, então ministro da
Fazenda do governo José Sarney, lançava seu Plano Verão. É curioso lembrar como
o plano de Mailson, fracassado espetacularmente, foi rotulado, porque isso tem
a ver com uma figura de expressão no finado governo Bolsonaro, o economista
Paulo Guedes, festivamente apelidado com o nome de um posto de gasolina.
O plano de Mailson foi batizado antes de nascer. No início de janeiro de 1989, a repórter do jornal “O Estado de S. Paulo” Maria Aparecida Damasco fez uma entrevista com Paulo Guedes, então economista do mercado financeiro. Entre várias perguntas, incluiu uma sobre o plano que Mailson estava preparando, porque já circulavam especulações a respeito das medidas em estudo. Guedes deu uma resposta imediata: “Isso é um plano de verão”.
Era mesmo, porquanto não teria efeitos
duradouros, que passaram tão rapidamente quanto o verão. A competente
jornalista Cida Damasco, como é conhecida entre os colegas, colocou a frase de
Guedes em sua matéria, publicada com o título “Mailson prepara o Plano Verão”.
Por mais que tentasse, Mailson nunca
conseguiu mudar o rótulo de seu plano. Entre as medidas, havia um congelamento
de preços para tentar conter a inflação. Não funcionou. A inflação continuou a
aumentar até fechar o ano de 1989 em 1.764%. Com a hiperinflação desenfreada,
não havia muitas opções. De qualquer forma, pode ser que Mailson faça
atualmente um mea culpa pelo congelamento, medida extremamente heterodoxa,
embora houvesse no plano também ações ortodoxas, como um amplo ajuste fiscal,
desindexação dos reajustes salariais, desvalorização cambial, limitação de
crédito e aumento de tarifas públicas.
Poucos meses depois do lançamento, o plano
começou a ser desmontado. Em ano eleitoral - Fernando Collor de Mello seria
eleito presidente em 17 de dezembro - foi impossível impor o ajuste fiscal. Os
salários voltaram a ser indexados quatro meses depois, por pressão dos
trabalhadores. E os efeitos negativos do Plano Verão tiveram longa duração.
Doze anos mais tarde, em 2001, a Justiça concedeu reposição das correções
monetárias sonegadas aos mutuários do Fundo de Garantia.
Muitas diferenças
O que no pacote de Haddad pode lembrar o de
Mailson, além do fato de ambos terem sido lançados no verão? Pouca coisa,
porque o país está longe do risco hiperinflacionário, principal preocupação de
34 anos atrás. Mas há o ajuste fiscal. Tanto quanto em 1989, depende de apoio
político, sempre mais plausível em início de mandato.
O pacote de Haddad cuidou mais do aumento
de receitas e menos do corte de despesas. Previu economias de R$ 50 bilhões
para este ano e arrecadação adicional de R$ 192 bilhões, e essa foi a principal
razão das críticas feitas por agentes de finanças. O mercado queria uma
proporção inversa. Além disso, foram consideradas pouco factíveis as metas,
tanto para receitas quanto para despesas. O próprio Haddad, cauteloso, admitiu
ser a meta de superávit fiscal de R$ 11 bilhões muito ambiciosa e considerou
mais realista apostar em um déficit de até R$ 100 bilhões, 1% do Produto
Interno Bruto (PIB).
Mailson da Nóbrega disse em entrevista à
imprensa que o pacote de Haddad foi “feito às pressas” para mostrar que o
governo busca equilíbrio fiscal. Isso era desnecessário, segundo ele.
Importante seria e será a elaboração do novo arcabouço fiscal, no qual ele
espera ver um componente de controle de gastos para substituir o famigerado
teto incluído na Constituição no governo Michel Temer, há seis anos. Talvez
Mailson esteja hoje tentado a repetir o vaticínio de Guedes em 1989: “Isso é um
plano de verão”.
Sem amor
Foi curioso observar as reações de
analistas ao pacote de Haddad. No papel, a “ideia fixa” dos liberais foi
atendida: um ajuste fiscal de R$ 242,7 bilhões, podendo haver até um pequeno
superávit primário de 0,1% do PIB na hipótese mais otimista. Houve elogios ao
compromisso do ministro de reduzir ao máximo o rombo previsto no Orçamento de
2023, de R$ 231 bilhões.
Alguns liberais querem “mais sangue” e
argumentam ser esse esforço ainda insuficiente para conter o aumento da dívida
pública. Gostariam de ver uma receita superior às despesas em valor equivalente
a 2% ou 2,5% do PIB. Ou seja, até R$ 250 bilhões de superávit. É querer demais
para um governo afogado em seu primeiro ano de mandato pela gastança eleitoral
de seu antecessor.
Em entrevista ao repórter Caio Sartori,
do Valor, o
professor da UFSCar João Roberto Martins Filho, ao raciocinar sobre a
resistência das Forças Armadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar
de tantos projetos militares apoiados pelo presidente em seus oito anos de
governos anteriores, disse o seguinte: “Os militares não gostam dele, não vão
gostar nunca”.
A relação de Fernando Haddad com o mercado
tende a trilhar o mesmo caminho. Apesar do esforço fiscal manifestado no pacote
do dia 12, o mercado não gosta dele - e parece que não vai gostar nunca.
Ajuda do FMI
Passou sem muito destaque a declaração de
Haddad, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, sobre a oferta do Fundo Monetário
Internacional (FMI) para ajudar o Brasil a definir uma nova âncora fiscal. A
diretora-geral do Fundo, Kristalina Georgieva, se dispôs a enviar uma equipe ao
Brasil para relacionar as regras em vigor hoje pelo mundo e indicar as que
estão dando certo.
Sem dúvida, o apoio do FMI à âncora a ser
criada para substituir o famigerado teto pode ampliar a credibilidade da nova
medida, principalmente entre os investidores estrangeiros. Mas os economistas
brasileiros precisam desses conselhos? Embora o FMI não seja mais aquele ninho
ortodoxo que impunha recessões e castigava países emergentes endividados nas
décadas de 1980 e 1990, sua imagem intervencionista e impiedosa continua viva.
Será mesmo que responsabilidades fiscais e sociais têm importâncias
equivalentes para o Fundo?
2 comentários:
"Alguns liberais querem “mais sangue”...
Serve uma transfusão da Americanas e de seu trio bilionário, ou só vale a dos cofres púbicos?
Nesse caso até os evangélicos que rejeitam transfusão vão aceitar. E de qualquer origem...
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