Folha de S. Paulo
Nos blocos, o celular é mais obrigatório
que a fantasia
Em suas crônicas, contos e sobretudo no
romance "O Espelho Partido", Marques Rebelo se esbalda com cenas do
Carnaval carioca. O dos anos 1930 e 40, auge do confete, da serpentina, dos
umbigos de fora, do lança-perfume. Descreve o escritor a formação de um bloco
de sujos:
"Os trombones gemiam. O bombo martelava. As vozes femininas esganiçavam, enquanto as masculinas eram surdas e graves. Sempre em frente, unidos como as escamas de um peixe, partíamos a noite de forno em dois pedaços e, de cada abrasada calota, com árvores, fachadas, andaimes, letreiros e postes, vinha gente se aglutinar ao improvisado bloco, que se iniciara no Estácio, à volta dos poucos instrumentistas com casquetes de papel, propaganda em tricromia da cerveja Fidalga, regato que se fizera rio encorpado, lambendo as calçadas ao seu rolar".
Nunca mais esse Carnaval, o que não é
necessariamente bom ou ruim. É só o tempo passando, alheio tanto a tradições
quanto a caretices. Ainda existem os blocos de improviso (não confundir com bloquinhos)
que nascem na esquina, desfilam do jeito que dá e se desfazem, de cansaço ou de
birita, no percurso. São raros. A avenida hoje é dos megablocos milionários e
aliados do poder público.
Neles o celular é obrigatório. Aliás, é
assim em todo lugar: no Congresso, no futebol, nos shows, nos passeios, nos
bares e restaurantes, no metrô, nas ruas (um mundo de gente falando sozinho) e
até na cama. Por que seria diferente no reinado de Momo? Quem olha para a
Anitta, a Ludmilla ou a Alessandra
Negrini no alto dos carros também se sente, mesmo no chão, uma
celebridade e não pode deixar de registrar o momento de glória.
Só que o celular, entre as invenções da
humanidade, é a menos carnavalesca de todas. Se a ideia da festa é se perder,
ele faz o contrário: acha o folião em tempo real. Deve ser por isso que, a cada
ano, há um novo recorde de aparelhos furtados.
Um comentário:
Carnavalizaram o carnaval,se é que me entendem.
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