O Globo
Lula adapta o formato de comunicação de
Bolsonaro, para falar o que quiser, na hora que quiser, sem contestação.
É próprio de governos com espírito
autoritário querer uma ligação direta com a população, prescindindo, ou pelo
menos relegando a segundo plano, os canais comuns nos regimes democráticos:
partidos políticos, imprensa livre. Na sua forma mais radical, a democracia
direta se utiliza de plebiscitos, que podem ser manipulados, para consultar o
povo sobre decisões importantes.
Quando esse sistema é usado localmente, como nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, para decidir questões que atingem o dia a dia de uma comunidade, o plebiscito é um instrumento democrático eficiente. Mas, quando se quer informar à população só o que interessa ao governo, a comunicação direta se transforma em mera ação de propaganda.
Foi por isso que nasceu a “Voz do Brasil”,
propaganda política do governo Getúlio Vargas coordenada pelo tristemente
famoso Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) da ditadura da ocasião. Com
os modernos meios de comunicação, primeiro a televisão, depois especialmente os
digitais, a tentação de atingir milhões de cidadãos cresceu, e no primeiro
governo Lula foi criada a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC).
Teoricamente, seria uma rede de comunicação pública, com emissoras de
televisão, rádio e programação de internet.
Transformou-se, na prática, em instrumento
de propaganda política, que teve no governo Bolsonaro seu ápice oficialista,
transmitindo todas as ações do presidente da República, discursos em formaturas
de militares especialmente, já indicando o caminho de politização das Forças
Armadas que forjava desde o início do mandato. Só não foi mais efetivo pela
audiência praticamente nula. Um exemplo de como a ideia de empresa pública se
diferencia da máquina de propaganda governamental é a decisão da nova direção
da EBC de adotar a tese petista de que o impeachment da presidente Dilma foi um
golpe parlamentar.
Bolsonaro conseguia atingir seu público
pelas lives transmitidas na internet, que viraram um instrumento eficaz de
propaganda política e mobilização de apoiadores. Foi por meio delas que alimentou
a mobilização popular contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso que
acabou desaguando no 8 de Janeiro. Agora, anuncia-se que o presidente Lula
pretende adaptar a seu estilo a comunicação governamental, usando podcasts para
se dirigir diretamente ao eleitorado.
Há diversas maneiras de presidentes da
República de países democráticos se dirigirem aos cidadãos, desde a requisição
de cadeia nacional de rádio e televisão para pronunciamentos importantes até
entrevistas coletivas, ou mesmo individuais. O presidente pode ter também um
assessor de imprensa, ou porta-voz, para relatar diariamente as atividades do
governo e dar a palavra oficial sobre temas de interesse público.
Líderes personalistas abrem mão desse tipo
de assessor. Foi o caso de Bolsonaro, ao dispensar o general Otávio do Rêgo
Barros, que tentou organizar o contato do presidente com jornalistas. Bolsonaro
preferia o contato pessoal no “cercadinho” do Alvorada, onde falava o que
queria a alguns seguidores fanáticos. O presidente Lula teve bons porta-vozes
nos dois primeiros mandatos, mas agora parece disposto a ser ele mesmo seu
porta-voz, falando quando quiser e sobre o que quiser.
O podcast a ser criado é uma consequência
dessa decisão de não ter intermediários na comunicação com o povo. Uma das
principais armas do político Lula é a oratória, por isso o tratamento de sua
doença teve de ser adaptado para ele não correr o risco de perder a voz. Nos
podcasts poderá desenvolver essa aptidão e também aparecer com imagens no
YouTube durante a gravação. No final das contas, o formato é outro, mas o
conceito é o mesmo: falar o que quiser, na hora que quiser, sem contestação.
2 comentários:
Lá vem o boça... digo, Merval, descendo a ladeira...
Merval e suas mervaíces.Nada contra,um grande colunista.
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