O Globo
Virou lugar-comum nas manifestações
bolsonaristas o pedido de uma 'intervenção militar constitucional'
Está na hora de fechar a porta para
interpretações golpistas do Artigo 142 da Constituição Federal. Desde a
Assembleia Constituinte de 1987-1988, o Artigo 142 contém uma ambiguidade que,
embora flagrantemente incompatível com o espírito democrático da Constituição,
alimenta o imaginário golpista de setores ligados aos militares. Não dá mais
para deixar essa porta entreaberta.
O Artigo 142 diz que as Forças Armadas se
destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Na proposta original do artigo que tratava das Forças Armadas, o deputado Bernardo Cabral propunha que as Forças Armadas se destinam “a assegurar a independência e a soberania do País, a integridade do seu Território, os poderes constitucionais e, por iniciativa expressa destes, nos casos estritos da lei, a ordem constitucional.”
Forças ligadas aos militares lutaram para
introduzir no artigo a expressão “garantia da lei e da ordem” que aludia ao
papel moderador das Forças Armadas presente em Constituições passadas, desde
1891. Isso lhes asseguraria poder de tutela quando a ordem interna fosse
ameaçada. O ponto intermediário foi proposto pelo então senador Fernando
Henrique Cardoso, que introduziu a redação que falava em garantia da lei e da
ordem, mas a condicionava ao chamado de um dos Poderes constituídos.
Essa ambiguidade que parecia enterrada pela
História começou a ser reavivada por setores autoritários da nova direita.
Virou lugar-comum nas manifestações bolsonaristas o pedido de uma “intervenção
militar constitucional”, “autorizada” pelo Artigo 142.
Tal visão se apoia na extrapolação da
interpretação do Artigo 142 feita pelo jurista conservador Ives Gandra Martins.
Num artigo jurídico, ele diz que “se um Poder sentir-se atropelado por outro,
poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como Poder Moderador para repor,
naquele ponto, a lei e a ordem”. Segundo essa interpretação, se Executivo e
Judiciário entrarem em conflito, o Executivo poderia acionar a mediação pontual
das Forças Armadas. O que os bolsonaristas têm pedido, porém, é uma intervenção
desse tipo, mas que vá além de uma arbitragem pontual: seria uma intervenção
duradoura pretensamente respaldada pela Constituição.
O artigo de Ives Gandra foi publicado logo
depois da decisão do Supremo que suspendeu a indicação de Alexandre Ramagem
para a direção da Polícia Federal, em 2020. Vários bolsonaristas viram na
publicação um sinal de que as Forças Armadas poderiam ser acionadas pelo
presidente para resolver a disputa entre Executivo e Judiciário.
A polêmica foi tamanha que a Mesa Diretora
da Câmara dos Deputados produziu na ocasião um parecer esclarecendo que “jamais
caberá ao presidente da República, nos marcos da Constituição vigente, convocar
as Forças Armadas para que indiquem ao Supremo Tribunal Federal a interpretação
correta do texto constitucional diante de uma eventual controvérsia entre
ambos”.
Duas saídas têm sido pensadas para pôr fim
às perigosas ambiguidades envolvendo o Artigo 142: uma por meio do Congresso,
outra por meio do STF.
Na segunda-feira, o PSOL pediu ao STF a
declaração de inconstitucionalidade de interpretações golpistas do Artigo 142
que concebam as Forças Armadas como Poder Moderador e permitam uma ruptura do
regime democrático ou a instauração de um regime de exceção. O partido pede a
responsabilização criminal, cível, política e administrativa de todos os que
incentivem essa interpretação.
A solicitação do PSOL dá sequência ao
pedido feito pelo PDT em 2020 para que a Corte esclarecesse o alcance do Artigo
142. Na resposta, o ministro Luiz Fux foi enfático ao dizer que a missão
institucional das Forças Armadas “não acomoda o exercício de Poder Moderador
entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”. Fux também será o
relator da nova ação movida pelo PSOL.
Os deputados petistas Carlos Zarattini e
Alencar Santana começaram a circular nesta semana a minuta de uma proposta de
emenda constitucional para alterar o Artigo 142. A ideia é retirar o trecho
controverso e dizer que as Forças Armadas “destinam-se a assegurar a
independência e a soberania do país e a integridade do seu território”.
É uma questão de tato político decidir se,
neste momento, é mais adequado desmontar as ambiguidades do Artigo 142 por meio
de uma decisão do Supremo ou por meio de uma mudança na Constituição. O que não
podemos fazer é assistir passivos à proliferação da hermenêutica golpista.
Um comentário:
Ives Gandra Martins é irmão daquele outro, o "Mãozinha de Maestro", 'laranja" contumaz do safado Paulo Maluf.
Farinhas do mesmo saco.
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