Valor Econômico
Brasil vincula ampliação a Conselho de
Segurança da ONU e entrada no banco do Brics
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
surpreendeu no começo do mês ao apoiar a expansão do Brics, o grupo formado por
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, atropelando o que a diplomacia
brasileira vinha defendendo até agora.
O tema está no centro da agenda da cúpula dos líderes do Brics marcada para 22 e 24 deste mês em Joanesburgo (África do Sul). O Brasil se colocava contra a ampliação do número de países, para preservar o peso global e regional próprio dos sócios atuais. Além disso, a expansão tende a distorcer e dar outra dinâmica à agenda do grupo, inclusive sobre temas regionais que tornará uma convergência de interesses ainda mais difícil.
O país que força pela ampliação do Brics é
a China. Pequim busca pelo grupo uma coalizão de países em torno do polo chinês
para contrapor-se à coesão do G7 (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido,
Canadá, Itália e União Europeia), que tenta frear as ambições mundiais de
Pequim e diz alvejar regimes autoritários.
Ou seja, a China tenta mobilizar contra o
bloco ocidental em torno de agendas anti G7 - e isso não é do interesse do
Brasil nem da Índia. Ambos dão ênfase a esforços comuns pela reforma de
instituições internacionais que reconheça o peso dos emergentes, por exemplo.
Até agora, o Brasil reconhecia que um Brics
mais amplo e político começaria a virar uma espécie de Grupo dos 77 (a coalizão
heteróclita de nações em desenvolvimento que na verdade tem 134 membros) e
passaria a ser efetiva massa de manobra da China no confronto com os EUA. Essa
percepção apareceu também recentemente em artigo do jornal “Financial Times”
sobre “os riscos de os membros do Brics se tornarem satélites da China”.
Dependendo de mudanças no Brics,
gradualmente o Brasil tende a diminuir seu engajamento nesse grupo para manter
uma postura de independência.
Lula, no entanto, em declaração a
correspondentes estrangeiros apoiou o aumento do Brics e defendeu mesmo a
entrada de Arabia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Argentina no grupo. Isso
alimentou duas interpretações, de imediato.
A primeira é de que o presidente brasileiro
declarou apoio à expansão do grupo porque ela é mesmo inevitável, pois a China
continua pressionando, e os outros já capitularam, deixando o Brasil sozinho.
A segunda interpretação é de que Lula
sempre foi a favor da ampliação do Brics, para entrada até da Venezuela, para
desespero mesmo de alguns membros de seu governo.
A realidade pode estar entre as duas. Como
a ampliação é uma questão de tempo, o Brasil cobra clareza sobre o que é o
Brics e como funcionará. Hoje, cada país faz seu show quando tem a presidência
rotativa. A China fez um encontro “Brics+”, incluindo alguns países convidados.
A Índia fez algo parecido. A África do Sul agora convidou 69 líderes, incluindo
os da África inteira, para a cúpula daqui a duas semanas. Ninguém sabe o que a
Rússia, isolada globalmente, fará no ano que vem, quando tiver a presidência do
grupo.
Nesse cenário, na visão de setores em
Brasília, a ampliação do Brics precisa ser baseada em certos critérios e
princípios. Significa que, com a China buscando colocar água no feijão, países
interessados em entrar no grupo teriam que “colocar azeitona na empada do
Brasil”.
Primeiro, um dos requisitos seria apoiar a
expansão do Conselho de Segurança, o órgão das Nações Unidas que pode decidir
sobre sanções internacionais e uso de força militar no mundo. Essa expansão é
central numa reforma da governança, e é objetivo estratégico do Brasil e da
Índia. Mas o país mais reacionário no Conselho de Segurança atual sobre o tema
é a China, que justamente busca ampliar o Brics. Pequim vê risco de a reforma
empoderar outros países, como o Brasil, e ampliar a capacidade deles ter
posições independentes, que podem coincidir ou não com a China.
Além disso, a Argentina, país que Lula quer
colocar no Brics, defende a expansão somente de membros não permanentes do
Conselho de Segurança, para frear a influência do Brasil. Buenos Aires vai
mudar de posição e apoiar a demanda brasileira de expansão das duas categorias
do CS - membros permanente e não permanentes?
Outro requisito pode ser exigir que antes o
candidato se torne membro do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). O Brics tem
interesse em reforçar esse que é seu principal ativo. Para o governo Lula, a
entrada de países como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, com volumosos recursos
para o banco presidido por Dilma Rousseff, é importante para ampliar
financiamento do desenvolvimento sustentável, integração etc. Os atuais sócios
querem em todo o caso manter o controle do banco, pouco importa o número de
novos aderentes à instituição.
O terceiro elemento é facilitar a entrada
no grupo de países com os quais seus atuais sócios já cooperam no G20, como a
própria Arábia Saudita, a Indonésia e a Argentina. Não está claro se a
Indonésia quer ou vai entrar, mas a porteira estaria aberta.
Um sucesso para o Brasil na cúpula de
Joanesburgo passa por um pacote que contemple esses elementos. Mas o jogo está
sendo jogado e está tudo em aberto. Pode ter tanto um “big bang” na expansão do
Brics, com entrada de vários países como membros e outros como parceiros. Como
pode ter a incorporação de algumas nações agora como membros e a discussão como
parceiros (com participação limitada) ficar para mais à frente.
Se os líderes aprovarem critérios e
princípios, a expectativa é que tenha um edital para indicar formalmente o
processo de adesão ao Brics. A Nigéria, a maior economia da África, não pediu
para entrar. Como vai fazer isso? Como os novos sócios vão participar dos
grupos que já existem no Brics sobre diferentes temas? Na discussão sobre uso
de moeda nacional no comércio entre os membros do grupo, participarão todos?
Como a Rússia vai lidar com tudo isso?
O fato, para Rubens Barbosa, presidente do
Instituto de Reações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), é que se Lula
aceitar a ampliação do Brics, seu governo sofrerá grande desgaste interna e
externamente. As decisões no grupo são tomadas por consenso. Mas Lula já disse
que “não sou eu que vou impedir” o aumento do grupo.
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