O Globo
Se os militares que tramaram um golpe forem
realmente punidos, será a primeira vez que isto acontecerá na história do país
Na noite da quinta-feira, 21, quando o ministro da Defesa, José Múcio, chegou na casa do almirante Marcos Olsen, comandante da Marinha, era o fim de um dia inteiro administrando a tensão entre o governo e as Forças Armadas pela revelação de que o ex-presidente Bolsonaro havia se reunido com os três comandantes e discutido um golpe de estado. O brigadeiro Marcelo Damasceno, comandante da Aeronáutica, foi à tarde ao seu gabinete. Com o general Tomás Paiva, comandante do Exército, o ministro falou por telefone. O general estava na Amazônia. Dos três ouviu a mesma coisa que disse aos jornalistas que o procuraram: as Forças Armadas, como instituição, não entraram no projeto autoritário, e é preciso saber quem individualmente praticou quais crimes.
A informação trazida pela jornalista Bela
Megale, de O GLOBO, e por Aguirre Talento do Uol, na quinta, esclarece muita
coisa. As movimentações e falas golpistas de Bolsonaro foram públicas, a
ambiguidade das Forças Armadas também. Mas o tenente- coronel Mauro Cid agregou
um dado concreto: a informação de que os comandantes militares e o então
presidente tramaram juntos a interrupção do processo constitucional. Uma fonte
informa que juridicamente não há atenuantes.
—Essa reunião – parece que houve mais de uma
– indica cometimento de crime, porque o tipo penal envolvido é 'tentativa de
golpe'. Eles podem dizer que apenas cogitaram e que cogitar não é crime. Mas
eles foram além, fizeram reunião e foi elaborada uma minuta do golpe, portanto
é um ato preparatório. É crime.
O governo Lula encontrou nas Forças Armadas
“um mar de indisciplina” ao assumir, segundo definição de uma das fontes que
ouvi nos últimos dias. Prova disso foi o fato de que os comandantes do governo
Bolsonaro não queriam se reunir com o ministro indicado José Múcio. O almirante
Garnier, como me disse o próprio ministro, nunca aceitou se encontrar com ele.
É ato de indisciplina de um oficial, na época, na ativa.
Todos os absurdos vistos no governo Bolsonaro
– notas ameaçadoras das Forças Armadas, desfile de tanques convocado pela
Marinha para o dia de votação do voto impresso no Congresso, militares da ativa
atacando candidatos nas redes sociais – foram o resultado do trabalho cotidiano
de Bolsonaro de quebrar princípios, contaminar os militares, envolvê-los. Eles
se deixaram enredar porque quiseram. Suas lideranças decidiram ter proveito
naquele governo e receberam poder e dinheiro. A instituição, como um todo,
enfrenta a ressaca de um enorme retrocesso. As Forças Armadas voltam a ser
vistas como golpistas.
Eles lamentam hoje estar sob o manto da
suspeição, mas o fato é que foi escolha envolver-se nesse novelo do qual não
sabem sair. O que eu ouvi nas apurações que fiz é que o atual comando quer que
sejam punidos todos os que se envolveram nessa trama, mas precisam que o
Judiciário individualize as condutas. “Quem tiver culpa será expulso das Forças
Armadas”, disse uma fonte. Se isso de fato acontecer será um avanço, porque a
História do Brasil é repleta de movimentos golpistas dos militares e não tem
registro de punições.
O almirante Almir Garnier, que teria aderido
à ideia do golpe, assumiu em abril de 2021, quando Bolsonaro demitiu o ministro
da Defesa, general Fernando Azevedo, e todos os comandantes militares.
Bolsonaro queria um ministro e comandantes mais submissos ao seu projeto
autoritário. Conseguiu. Os escolhidos na época para as três Forças, general
Paulo Sérgio Nogueira, brigadeiro Baptista Jr. e almirante Garnier, com maior
ou menor intensidade, colaboraram para o ambiente de intimidação aos democratas
que foi derrotado porque houve forte resistência das instituições e da
sociedade. Não foi concessão. Não é correta a ideia de que eles “deixaram” a
democracia permanecer. Ela é conquista do país.
O golpe de Bolsonaro se daria como?
Intervenção direta no Tribunal Superior Eleitoral com afastamento dos ministros,
quebra dos seus sigilos, anulação do resultado eleitoral. A Justiça Eleitoral
seria a primeira vítima. É o que está escrito na minuta golpista. Por isso, é
com espanto que se vê, no mesmo dia em que se revela essa reunião dos
conspiradores em chefe, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, atacar a Justiça
Eleitoral. No dia seguinte, ela disse ter sido mal compreendida. Suas palavras
foram bem claras. Se o PT quer ser o estuário da luta democrática de todo o
país, tem que pensar bem sobre que teses abraça.
3 comentários:
Na verdade, há registro de punição anterior, por exemplo, na revolta de Jacareacanga, quando um grupo de oficiais ocupou a base aérea no Pará inconformados com a vitória de JK. Apesar de haver apenas um oficial preso, pois os demais fugiram, este foi anistiado pelo próprio JK.
Bolsonaro politizou as Forças Armadas, e militarizou diversos ministérios civis (Saúde, Meio Ambiente, Minas e Energia, etc.). Era um péssimo militar, como sabiam seus comandantes quando ele ainda estava na ativa, e se revelou um presidente CRIMINOSO, apoiado por inúmeros militares que se sujeitaram a apoiar suas intenções maldosas.
Verdade.
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