quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Bernardo Mello Franco – O dia que não terminou

O Globo

Relatora elogia Forças Armadas e propõe medidas inócuas, como incentivar "educação midiática" e criar Dia Nacional de Defesa da Democracia

O relatório final da CPI do Golpe pediu o indiciamento de Jair Bolsonaro pela prática de quatro crimes. O ex-presidente foi acusado de chefiar um complô contra a democracia. Derrotado nas urnas, tentou rasgar a Constituição e virar a mesa para se perpetuar no poder.

O texto da senadora Eliziane Gama lembra que o capitão atacou as instituições desde o primeiro dia de governo. Seu projeto sempre foi autoritário. Não tolerava a existência de Judiciário livre, oposição ativa ou imprensa independente.

Em busca do poder absoluto, Bolsonaro fomentou o ódio e a radicalização política. A aposta culminou na intentona de 8 de janeiro, que empurrou o país até a beira do precipício.

O relatório mostra que os atos golpistas não foram espontâneos nem desorganizados, como sustentava o ex-presidente. “Foi uma mobilização idealizada, planejada e preparada com antecedência”, anotou Eliziane. A senadora enumerou provas de que houve método nos ataques. Os extremistas se deslocaram em caravanas, receberam apoio logístico, sabiam o que estavam fazendo.

Apesar de ter maioria na CPI, o governo não quis convocar Bolsonaro. Escolheu guardar munição para o relatório, a pretexto de não oferecer palanque ao rival. O Planalto também optou por amaciar com os militares. Eliziane pediu o indiciamento de nove oficiais-generais, mas encontrou espaço para elogiar a “postura constitucional das Forças Armadas”. O equilibrismo atesta que a pressão dos quartéis surtiu efeito.

A CPI teve a chance de propor ações concretas para barrar a interferência dos quartéis na política, como a mudança do artigo 142 da Constituição. Preferiu sugerir medidas inócuas, como o incentivo à “educação cidadã e midiática” e a criação de um Dia Nacional de Defesa da Democracia.

Quem não enfrenta os fantasmas está condenado a conviver com eles. No início do relatório, Eliziane admite que “a máquina de ódio continua em operação” e “o 8 de janeiro ainda não terminou”. Neste ponto, é difícil discordar da senadora. A extrema direita se mantém ativa; as redes sociais ainda são território livre para a desinformação; e as forças de segurança não fizeram nada, ou quase nada, para conter o radicalismo em suas fileiras.

 

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