Folha de S. Paulo
Há uma linha mínima de humanidade que, se
violada, acaba com qualquer pretensão de justiça
Bilhões de pessoas depositam em Israel as
esperanças e medos apocalípticos de suas tradições religiosas. No centro dela
está Jerusalém, onde um dia já funcionou o Templo de Salomão, até ser destruído
pelo Império Romano. Nessa mesma cidade Jesus pregou, morreu e —acreditam os
cristãos— ressuscitou. É ela também um lugar sagrado para muçulmanos, lembrando
que Maomé honrava
os profetas judeus e cristãos e inicialmente rezava com seus seguidores não
voltado a Meca, e sim a Jerusalém.
É por essa razão que ela sempre ocupou o
centro das atenções de reinos e impérios muçulmanos e cristãos (dos cruzados
medievais ao Império Britânico e EUA) e da diáspora judaica.
Trazendo para o plano secular, a criação de Israel em 1947 respondeu a uma demanda histórica de judeus, que sofriam perseguição onde quer que morassem, até culminar no crime monstruoso do Holocausto. Não havia um país árabe no território, que fora parte do Império Turco-Otomano e, depois da Primeira Guerra, mandato imperial britânico. Mas havia povo. E centenas de milhares de árabes foram desalojados e expulsos para que a nova nação se consolidasse.
Ao mesmo tempo, não faz sentido tratar os
israelenses judeus como colonizadores, representantes do poder de alguma
metrópole que lá os mandou. Em sua maioria (e fora os que já moravam na região
antes do Estado de Israel), vieram fugindo da perseguição que sofriam. Cerca de
metade de sua população, aliás, é —ou descende— de judeus que foram expulsos de
países árabes e do Irã e que morreriam caso tentassem "voltar" para
suas terras de origem.
Enfatizar mais um lado ou outro —israelenses
ou palestinos— é compreensível. Dito isso, há uma linha mínima de humanidade
que, se violada, acaba com qualquer pretensão de justiça. O Hamas está em um
nível diferente do Estado de Israel e da Autoridade Palestina.
É uma organização cujo objetivo é o genocídio e cujo meio é o terrorismo.
Deveria ser tratado igual ao Estado
Islâmico —uma entidade espúria com a qual não cabe diálogo,
apenas o combate sem trégua.
Se porventura o governo de Israel der uma
guinada ainda mais extremista e mirar o extermínio do povo palestino, buscando
aumentar e não reduzir as mortes de civis, daí sim será equivalente ao Hamas. Não
é o que ocorre hoje. Essas distinções são importantes, pois mesmo na guerra
existe o aceitável e o desumano.
Dentro do minimamente humano, quem negará que
é justa a demanda dos
israelenses por proteger seu país e não serem exterminados? E
quem negará que também é justa a reivindicação de milhares de palestinos cujos
ancestrais foram desalojados e que hoje vivem diversas formas de opressão?
Enquanto discutimos quem tem razão, chegam a
nós os vídeos de meninas implorando por suas vidas em Israel e na Palestina.
Vemos pais que perderam seus filhos, corpos de bebês e de idosos que não
traziam perigo algum, judeus e árabes. Subitamente, todos os mitos e
justificativas parecem tão pequenos, e mesmo as distinções morais parecem
secundárias perto do imperativo de acabar com a tragédia.
Não há acordo possível, dizia Hobbes, sobre
qual é o bem supremo. A condição humana é variável, bem como as culturas, as
histórias e os temperamentos. Quanto ao mal supremo, contudo, aí sim há acordo.
Ele está ali, nessas fotos e vídeos: o horror da morte violenta. Essa repulsa à
morte generalizada pode e deve fazer arrefecer as crenças em mitos
apocalípticos e ideais puros de justiça, em nome da única coisa que permitirá a
vida: o compromisso pragmático. É nossa única esperança.
2 comentários:
ele mente.
MAM
O colunista alterna textos razoáveis com outros esquisitos. Hoje, resolveu expor sua PODRIDÃO INTELECTUAL neste texto asqueroso! Muito lamentável!
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