quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Zeina Latif - Aproximar para integrar

O Globo

Haveria possivelmente menor diferença nas taxas de desemprego caso houvesse maior fluxo migratório interno, com os indivíduos conseguindo mudar e se integrar facilmente à região da nova moradia

Confrontos sociais explícitos não são a marca de nossa sociedade. No entanto, pecamos no quesito coesão social. Pouco sabemos sobre a cultura e os costumes das diferentes partes do país. E o desconhecimento alimenta o preconceito. Já o abismo social é um capítulo à parte.

Vale recordar a História. O Brasil só conseguiu se firmar como nação — no sentido de contar com um grau de identidade nacional que permitisse a existência e a estabilidade do poder estatal — na década de 1930, e sob mão forte de uma ditadura. No Império e na Primeira República, houve vários movimentos regionais separatistas e de contestação do poder central, reprimidos com violência. Nesta jovem nação, a coesão social ainda está em construção.

A reduzida coesão talvez ajude a explicar a pouca integração entre os estados por meio de fluxos migratórios, em busca de trabalho, apesar das grandes disparidades nas taxas de desemprego entre os estados. Superado o ciclo de urbanização e de maior fluxo até os anos 1970, ocorreu nas últimas décadas um encolhimento da migração interna proporcionalmente à população.

Vamos aos números. A taxa de desocupação no Brasil ficou em 8,0% em junho, sendo 11,3% no Nordeste e 4,7% no Sul, para citar os dois extremos. Há diferenças maiores entre os estados, mesmo quando vizinhos. Por exemplo, na Bahia o desemprego está em 13,4% e em Minas Gerais, 5,8%.

Apenas 22% dos estados apresentam taxa de desemprego próxima da média (1 ponto percentual de margem, para mais e para menos), sendo a diferença entre as taxas máxima (Pernambuco, 14,2%) e mínima (Rondônia, 2,4%) significativos 11,8 p.p..

Nos Estados Unidos, a dispersão é bem menor. A maioria dos estados (60%) apresenta taxas que oscilam em torno da média de 3,8% (agosto). A diferença entre extremos (Maryland, 1,7%, e Nevada, 5,4%) é modesta, de 3,7 p.p..

Padrão relativamente similar é encontrado na Zona do Euro. As taxas de desemprego da maioria dos países (68%) oscilam em torno da média, de 6,4% (agosto). A diferença entre a taxa máxima (Espanha, 11,6%) e a mínima (Malta, 2,5%) é de 9,1 p.p..

A disparidade do desemprego regional no Brasil pode decorrer de muitos fatores. Como já discutido neste espaço, o dinamismo da agropecuária tem importante papel, bem como as diferenças de capital humano — seria necessária uma maior investigação sobre gestões que conseguiram desenvolver melhor os talentos regionais. No entanto, haveria possivelmente menor diferença nas taxas de desemprego caso houvesse maior fluxo migratório interno, com os indivíduos conseguindo mudar e se integrar facilmente à região da nova moradia.

Cabem políticas públicas no nível federal para isso, reduzindo fricções no mercado de trabalho e investindo na formação de mão de obra. Considerando o peso das políticas sociais no Orçamento federal, valeria um aprimoramento nessa direção — será que o desenho do Bolsa Família afeta a decisão de migrar? Haveria ganhos de bem-estar à população, pois “distribuir” os desempregados significa também reduzir a taxa de desemprego média, pois em alguns estados há falta de mão de obra. A livre circulação de pessoas leva à melhor alocação do trabalho. De quebra, poderia fortalecer a identidade nacional, o sentimento de pertencimento.

Laços econômicos mais profundos tendem a reforçar a solidariedade e a coesão social. Entre nações, são antídoto para conflitos armados. Essa foi a lição que a Europa aprendeu da Primeira Guerra Mundial, quando a reação revanchista alimentou ressentimentos e o extremismo, e foi munição para uma nova guerra, ainda mais ampla e violenta. A reação após a Segunda Guerra Mundial foi muito diferente, com a busca da integração econômica, o que culminou na formação da União Europeia.

Outro exemplo da importância dos laços econômicos é o fato de EUA e China, apesar da relação conflituosa, evitarem um cenário de guerra. A dependência econômica mútua, individual e de seus parceiros relevantes, tem peso.

O triste conflito no Oriente Médio merece reflexão. Assim como na formação de outras nações, o passado importa. O estado permanente de confronto alimenta os radicais, como aponta Fernando Abrucio, e esmorece os moderados. Há esperança de paz sem se construir laços econômicos sólidos entre palestinos e israelenses, com liberdade para empreender e com movimento livre de pessoas?

 

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