Folha de S. Paulo
Ação sul-africana e apoio do governo Lula a
ela é estufa de mudinhas do antissemitismo
Este sábado (27), aniversário da libertação
de Auschwitz, é o Dia Internacional da Memória do Holocausto. O governo da
África do Sul, com apoio do governo do Brasil, decidiu enterrar a memória do
genocídio dos judeus europeus por meio de uma cínica acusação de genocídio
contra o Estado judeu.
Na guerra civil síria, o regime de Bashar al-Assad matou mais de 300 mil civis. Cidades inteiras sofreram bombardeios devastadores. Forças do Irã e da Rússia participaram dos massacres. Nenhum país acusou a Síria, na CIJ (Corte Internacional de Justiça), de praticar genocídio. Com razão: a ditadura síria não cometeu o crime dos crimes.
Genocídio requer a intenção de dizimar um
grupo populacional inteiro. Assad pretendia destruir seus opositores, à custa
de pilhas infinitas de cadáveres, mas não eliminar os muçulmanos sunitas. Na
guerra de Gaza, Israel busca eliminar o Hamas, não a população palestina. A
peça acusatória da África do Sul banaliza o mais abominável dos crimes,
reduzindo o Holocausto a uma nota de rodapé na longa história dos horrores de
guerra.
Se Israel pretendesse exterminar os
palestinos, não ordenaria a evacuação de áreas sob bombardeio ou colocaria seus
soldados em risco: seu poder aéreo seria suficiente para matá-los em quantidade
várias vezes maior. Há fortes indícios de que, em Gaza, as forças israelenses
cometem diversos crimes de guerra. Mas o lugar para processar crimes de guerra
é o TPI (Tribunal Penal Internacional), não a CIJ.
O governo sul-africano teria firmes
fundamentos para abrir no TPI um processo por crimes de guerra contra Netanyahu
–e outro por terrorismo, contra os líderes do Hamas. Contudo, escolheu a CIJ
porque seus objetivos são políticos: a corte só pode processar Estados, o que
elimina a hipótese de condenação do Hamas.
Esqueça a hipócrita alegação humanitária. Há
pouco, o governo sul-africano recebeu, com honras, Mohamed Dagalo, chefe da
milícia sudanesa Janjaweed, que perpetrou os massacres de Darfur. Foram 200 mil
mortos, entre 2003 e 2005, numa tragédia qualificada por inúmeros especialistas
como o primeiro genocídio do século 21.
O governo sul-africano mantém laços estreitos
com o Hamas. No último 5/12, semanas após as atrocidades do 7/10, uma delegação
da organização terrorista palestina participou como convidada da marcha oficial
sul-africana em memória aos dez anos da morte de Mandela. Na ação, solicita-se
à CIJ a imposição de um cessar-fogo permanente. Seu objetivo tático: preservar
o poder do Hamas na Faixa de Gaza.
A escolha da acusação de genocídio ilumina o
objetivo estratégico do governo sul-africano. Trata-se de avivar a campanha
internacional destinada a isolar Israel num gueto diplomático: um Estado
ilegítimo, o "judeu das nações".
A acusação de genocídio dispensa a guerra em
curso. Daud Abdullah, do Conselho Muçulmano Britânico, classifica a guerra de
1948 como genocídio. O ativista-historiador Ilan Pappé descreveu o bloqueio
israelense de Gaza de 2007 como genocídio. Grupos palestinos foram ao TPI para
acusar Israel de genocídio pela invasão de Gaza de 2014. A operação incessante,
sistemática, busca estabelecer uma identificação histórica entre a natureza do
Estado judeu e a do Estado nazista. O primeiro deveria ter o mesmo destino do
segundo: desaparecer.
"Antissionismo
é dever ético", escreveu na Folha Berenice Bento,
professora da UnB. Juntar-se ao Hamas e ao Irã para clamar pela abolição do
Estado nacional judeu tem nome mais preciso: antissemitismo.
A ação sul-africana – e o apoio prestado pelo
governo Lula a ela – é uma estufa de mudinhas do antissemitismo. Sob o seu
domo, José Genoino qualificou como "interessante" a "ideia de
boicote" a "empresas de judeus". Antes dele, alguém teve essa
"ideia interessante". Nela encontram-se as sementes do arco histórico
que se concluiu em Auschwitz.
3 comentários:
Perfeito
Cruzes!
O antissemitismo é fermentado pelas CHACINAS dos militares israelenses contra milhares e milhares de crianças e mulheres palestinas na Faixa de Gaza!
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