Folha de S. Paulo
'Golpe' foi uma invenção tática de Lula
No sexto dia, Lula criou Marta e, no sétimo,
Suplicy protestou. A exposição de um paradoxo aparente? Uma aposta no
ilusionismo? Um lance arriscado de realismo político? O novo "dedazo"
de Lula é tudo isso –e algo mais.
Lula crê que Marta, crème de la crème da
elite paulista, alarga o apelo da chapa às periferias pobres de São Paulo –o
que implica admitir que Boulos, o indômito líder dos sem-teto, só entusiasma a
classe média descolada. Talvez tenha razão: o paradoxo é só aparente, mais uma
ilusão da política simbólica.
Operação Alckmin 2.0? Alckmin foi jogada de gênio, não por seu peso eleitoral específico, mas por persuadir eleitores avessos ao PT de que Lula 3 seria diferente de Dilma 1. Marta acredita que desempenha o mesmo papel –e, por isso, divulgou seu "manifesto por uma frente ampla". Boulos tentou, gentilmente, corrigir o erro conceitual, falando em frente democrática. Nem um, nem outro.
A correção certa veio de Baleia Rossi, do
MDB: frente restrita, de esquerda. Alckmin era um líder histórico do PSDB que
usou a legenda do PSB. Marta, porém, nunca firmou-se como liderança de algum
outro partido –e retornou ao ninho petista. PSOL + PT é, de fato, frente de
esquerda. Lula, contudo, move-se no campo das narrativas: as repercussões do
voto de Marta pelo impeachment de Dilma. Sob esse prisma, a "operação
Marta" é Alckmin 2.0.
Nos estados e municípios, o PT firma alianças
com "golpistas". O "golpista" Alckmin tornou-se vice de
Lula. A "golpista" Marta foi elevada a vice na chapa paulistana e
acolhida de volta no PT. Só o impagável Eduardo Suplicy –além, claro, do
segmento mais simplório da militância de esquerda– ainda dá crédito à lenda do
"golpe do impeachment".
Fiel à lenda, Eduardo acusou Marta por seu
voto "golpista" –e, ainda, pelo gesto ímpio de oferecer flores à
ex-deputada bolsonarista Janaina Paschoal, a "musa do impeachment".
Daí, cavou uma trincheira de resistência –mas do jeito exótico dele.
Primeiro, exigiu prévias, instrumento ausente
do estatuto e da tradição do PT no caso de candidaturas a vice. Depois, em nome
da "união da família", declarou-se fora da disputa –como se uma
eleição intrapartidária pudesse ameaçar os laços de respeito ou carinho entre
um casal de idosos divorciados e seus três filhos na meia idade. Finalmente,
num ápice kafkiano, lançou a candidatura da vereadora Luna Zarattini,
impondo-lhe o constrangimento de recusar, "honrada e surpresa", a
missão de desafiar a ungida de Lula.
Lewandowski, o ministro do STF que presidiu o
processo de impeachment, atestando sua legalidade, acaba de ser entronizado no
Ministério da Justiça. O "golpe do impeachment", alguém precisa
explicar metodicamente a Eduardo, foi uma invenção tática de Lula.
A narrativa lendária cumpriu duas funções
paralelas. De um lado, inflamou a militância partidária, produzindo a corrente
da resistência na hora em que a sobrevivência do PT encontrava-se sob ameaça.
De outro, matou no berço a hipótese de um debate interno sobre o fracasso
catastrófico da política econômica conduzida por uma presidente fabricada pelo
próprio Lula.
O artifício demonstrou-se eficaz –ao menos do
ponto de vista dos interesses de Lula e de um PT que desistiu de pensar longe.
O partido manteve-se coeso, sob o comando imperial do líder. A noção econômica
primitiva de que "gasto é vida" continua a circular na fortaleza
lulista, para tormento de um certo Haddad. Mas o inventor da lenda jamais caiu
na armadilha de acreditar na sua criação, uma imprudência que imolaria o PT no
altar da insanidade.
A dissociação entre palavra e gesto tornou-se
um modo de vida. O "golpe do impeachment" ressurge, esporadicamente,
em palanques de campanha ou nas redes sociais. Eduardo não decifrou a farsa,
nem mesmo diante da "operação Marta". Tudo bem: quase ninguém se
importa.
2 comentários:
O colunista coloca Marta no título, mas usa mais da metade do texto pra espalhar seu veneno contra Eduardo Suplicy...
Eduardo e Marta.
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