O Estado de S. Paulo
Não se deve deixar sós os cidadãos e as
pequenas empresas, ao sabor dos interesses do mercado de obtenção apenas de
lucros
Relatório do Banco Mundial de dezembro passado assinala que, se 2022 foi o ano de incertezas por causa da covid-19, 2023 foi o ano do aumento das desigualdades: 700 milhões de pessoas sobrevivem com menos de R$ 10,50 por dia, número 45% maior que o constatado em 2010.
Durante recente Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a organização Oxfam apresentou dados assustadores da desigualdade, bastando lembrar que as maiores empresas do mundo lucraram 52% a mais do que a média dos últimos três anos. No Brasil, quatro bilionários tiveram aumento de 51% de sua riqueza, enquanto 129 milhões ficaram mais pobres. Diante deste quadro, duas posições no fórum se fizeram fortemente contrastantes: a do novel presidente da Argentina, Javier Milei, e a do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez.
Milei, histrionicamente, lançou o diagnóstico
apocalíptico de estar o mundo “em mãos do socialismo”, com o Ocidente correndo
perigo. Os líderes mundiais teriam abandonado a liberdade pelo coletivismo,
sendo o capitalismo a “única ferramenta” para acabar com a fome e a pobreza. A
justiça social é, a seu ver, mero “tema de moda” e injusto, porque os impostos
são cobrados de modo coativo: se uma empresa vai bem, o Estado castiga o
capitalista por seu êxito.
Segundo Milei, portanto, o capitalista é um
“benfeitor social, um herói”. Para ele, a defesa da vida, da propriedade e da
liberdade contesta a adoção do aborto, o feminismo radical, o controle
climático, a proposta de igualdade por instituições internacionais. Aos
capitalistas, louva o desejo de ganhar dinheiro e os convoca a “não ceder” ante
o Estado que só promoverá pobreza, sendo certo que o mercado “não erra”. Na
linha dos extremistas de direita, Milei mistura temas políticos e econômicos
com questões de costume, em demagogia reacionária.
Logo em seguida falou o primeiro-ministro da
Espanha. Para Sánchez, os empresários não devem esquecer suas obrigações
sociais e promover a elevação do poder aquisitivo da classe trabalhadora,
defender a democracia e frear a crise climática. Alerta o empresariado a não se
seduzir pela falácia de que o Estado, sem gerar valor, apenas arrebanha valores
de quem produz.
Conforme Sánchez, ao contrário, deve haver
uma colaboração público-privada, devendo Estado, setor privado e sociedade
civil juntos construírem prosperidade que aumente o bem-estar e a igualdade,
com sustentabilidade ambiental. Para Sánchez, não existe a tal mão invisível do
mercado, que acomoda naturalmente as demandas sociais. Deve-se, nos tempos da
inteligência artificial, ao lado de promover inovação, olhar os interesses da
classe trabalhadora, bem como cuidar da democracia em face das fake news. Em suma,
não se deve deixar sós os cidadãos e as pequenas empresas, ao sabor dos
interesses do mercado de obtenção apenas de lucros.
Três significativos pontos convergem para a
visão socialdemocrata: o Pacto Global patrocinado pela ONU; a ordem econômica
de nossa Constituição; e o milagre asiático.
Cada vez mais se consolida, em âmbito
mundial, a noção da responsabilidade social das empresas. Muitas aderem à
implementação dos fatores ESG (environmental, social, governance) lançados pelo
secretário-geral da ONU Kofi Annan, por via do Pacto Global, comprometendo-se a
adotar princípios nas áreas de direitos humanos e trabalhistas, de meio
ambiente e combate à corrupção. Os grandes fundos de investimento hoje avaliam
se a empresa implementa os fatores ESG, o que aumenta o seu valor. As questões
ambientais, sociais e de governança passaram a ser consideradas essenciais nas
análises de riscos e nas decisões de investimentos, colocando forte pressão
sobre o setor empresarial.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS) especificam os fins almejados por via dos fatores ESG, dos quais destaco:
erradicação da pobreza; fome zero; desenvolvimento econômico; trabalho decente;
redução da desigualdade; igualdade de gênero; respeito ao meio ambiente.
A ONU patrocinou a integração dos Estados com
o setor privado e a sociedade civil em busca de justiça social, integridade e
proteção ao meio ambiente, pois sem essa sinergia a injustiça social, a
corrupção e a destruição ambiental terão curso livre.
Por outro lado, a nossa Constituição coloca
em idêntico patamar trabalho e livre iniciativa, estatuídos no mesmo inciso do
artigo 1.º, como fundamentos do Estado de Direito. A ordem econômica, pelo
artigo 170, tem por princípios regentes: propriedade privada; sua função
social; livre concorrência; pleno emprego; redução das desigualdades; defesa do
meio ambiente. Nessa estrutura, livre iniciativa e responsabilidade social se
conjugam.
Países da Ásia, mediante medidas
governamentais e do setor privado, promoveram desenvolvimento com ênfase em
educação, reduzindo enormemente a desigualdade.
Neste ano, com mais de 70 eleições no mundo,
é necessário não só denunciar a leviandade dos populistas de extrema direita,
mas apresentar respostas concretas ao povo descrente da democracia e passível
de desaguar suas frustrações no discurso antissistema.
*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça.
4 comentários:
Excelente! A comparação Milei X Sánchez é muito próxima da tradicional comparação Bolsonaro X Lula no Brasil. As diferenças entre os governantes são evidentes, mas alguns não querem vê-las.
■■NINGUÉM COMPARA
BOLSONARO COM LULA::
■Lula e Bolsonaro, cada um dos populistas é horroroso, venal para a democracia e prejudicial para o Brasil da sua forma.
QUER DIZER::
=》Os lulistas e os bolsonaristas comparam::
●Os bolsonaristas usam Lula de moleta para melhorar e normalizar Bolsonaro.
●Os lulistas usam Bolsonaro de moleta para melhorar e normalizar Lula.
■■■O Brasil está com sua economia estagnada e sem medidas tecnicas que recuperem crescimento sustentável há 20 anos e só tem tido as invencionices eleitorais enganadoras e populistas de Lula.
■■20 ANOS ESTAGNADO!
(e sem medidas saneadoras)
=>Todas as mudanças estruturais feitas entre 1993e2006 para retomar crescimento foram desperdiçadas por populismo e corrupção.
■E neste tempo, se há uma paradeira na economia, houve piora na qualidade da educação e piora na segurança.
O Brasil não vai mais aguentar 20 anos de PT e com intervalinhos de Bolsonaro que equivalem ao populismo de Lula:: gastança, corrupção, associação do Brasil com ditaduras e outros populistas.
Na verdade, o Brasil NÃO PODE de jeito nenhum repetir os últimos enganadores 20 anos!
■Mais 20 anos destes últimos e o Brasil vai desabar de vez::
=》 Brasil nos próximos 20 anos vai ganhar o perfil demográfico da Europa atual, sendo que a produtividade do trabalho no Brasil, se continuar elegendo os errados, manterá a trajetória de queda e condenará o país à completa miséria.
O perfil demográfico que a França e a Inglaterra ganharam enquanto cresciam, o Brasil terá em 30 anos e com o crescimento estagnado e até, mais provavelmente, caindo.
Lula não é moleta para Bolsonaro!
Bolsonaro não é moleta para Lula!
■É mais que vergonhoso os bolsonaristas usarem Lula de moleta para Bolsonaro e os petistas usarem Bolsonaro de muleta para Lula.
E que insistência em negar que Bolsonaro é ligado a milicianos e que faz rachadinhas e que Lula é corrupto incorrigível!
Exatamente.
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