Valor Econômico
Emendas orçamentárias e fundão eleitoral mudaram o comportamento dos parlamentares nas votações?
A política brasileira passou por mudanças
importantes em resposta à grave crise de 2013 a 2016. Em meio a tantas
turbulências, os poderes Legislativo e Judiciário tomaram decisões que
alteraram a organização e o funcionamento do sistema político-partidário.
Em março de 2015 o Congresso Nacional aprovou
a primeira de uma série de emendas constitucionais que vêm tornando obrigatória
a aplicação de uma parcela cada vez maior de recursos orçamentários segundo a
vontade de deputados e senadores, reduzindo uma importante moeda de troca
política à disposição do presidente da República.
Em setembro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal proibiu empresas de doarem para partidos e candidatos. Para suprir o fim da maior fonte de recursos das eleições, em 2017 o Congresso criou um fundo para custear as campanhas. No mesmo pacote, as coligações eleitorais foram proibidas, e a cláusula de desempenho levou a uma onda de fusões e aquisições de partidos.
Muito se argumenta que as emendas
orçamentárias impositivas tornaram os parlamentares mais fortes em relação ao
governo. Também se afirma frequentemente que a ampliação do fundão eleitoral
deu ainda mais poder aos líderes partidários.
Para medir de que forma essas reformas
orçamentárias e eleitorais mudaram o comportamento dos parlamentares, a
economista Caroline Lucion Puchale se debruçou sobre os dados em sua tese de
doutorado, defendida na semana passada junto ao programa de pós-graduação em
economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para identificar o que leva um deputado a
votar de acordo com a orientação de seu partido, Puchale partiu de alguns
pressupostos. No seu modelo, a disciplina partidária seria uma função de
fatores como popularidade, experiência política e visibilidade da sua atuação
parlamentar.
Também contariam a participação ou não do seu
partido na coalizão do governo e o volume de emendas orçamentárias que o
congressista consegue empenhar, assim como a quantia de recursos dos fundos
eleitoral e partidário que ele recebe de sua sigla nas eleições.
Ao rodar os seus modelos econométricos,
Puchale encontrou alguns resultados interessantes, como a maior obediência de
parlamentares de partidos de esquerda e a tendência de políticos novatos ou
muito populares serem mais indisciplinados.
Os testes empreendidos por Puchale, porém,
não revelaram evidências significativas de que as emendas impositivas ou o
financiamento público de campanhas tenha mudado a propensão dos deputados a
seguir as recomendações do seu partido.
Esse resultado frustrou a expectativa da
autora e de alguns membros da banca, que esperavam que os deputados deveriam
ser mais obedientes à medida em que os partidos passaram a controlar mais
recursos orçamentários e eleitorais para distribuir para seus filiados.
Meu feeling, porém, ia na direção
contrária. Minha hipótese era que, como a distribuição das emendas individuais
impositivas é uniforme e a quota do fundão eleitoral em geral premia de forma
muito equivalente todos os deputados que buscam reeleição, a capacidade de os
líderes exigirem a lealdade de seus comandados diminuiu após as mudanças de
2015-2017.
Como se vê no gráfico, nem o índice de
disciplina partidária (medido pela nova doutora) e tampouco o apoio ao governo
(calculado por mim) apresentam grandes flutuações depois de passado o terremoto
político de 2013 a 2015, quando tivemos as jornadas de junho, a eclosão da
Operação Lava-Jato e a crise que levou ao impeachment da então presidente Dilma
Rousseff.
O exercício de Caroline Puchale tem o grande
mérito de se debruçar sobre um dos mais importantes fenômenos político em curso
no Brasil. Os resultados inconclusivos mostram que o mistério dos efeitos do
aumento de dinheiro nas mãos dos políticos continua no ar.
*Bruno Carazza é professor associado da
Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do
sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Um comentário:
Bruno Carazza.
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