Folha de S. Paulo
Plano de arrumar contas do governo azeda, e
vento vira na economia mundial
O vento deu uma virada na economia. Não
se quer dizer que vá chover canivetes amanhã, com piora em emprego ou inflação.
A atividade econômica deste 2024 continua em ritmo melhor do que se esperava.
Mas as condições para que a economia cresça no curto prazo (uns dois anos)
azedam. A necessidade de mudanças mais profundas, já, fica evidente.
No governo, nota-se afobação, na melhor das
hipóteses. Na pior, corre-se alegremente para o abraço da gambiarra. Esse remendo
na conta de luz, que talvez mal compense a conta de novos subsídios para
empresas, é um exemplo.
O desejo de meter
a mão na Petrobras é outro. Cobram-se "entregas", essa
palavra de resto cafona, como se o governo federal fosse prefeitura miúda em
véspera de eleição, inaugurando pinguela, asfalto e posto de saúde.
Os ministérios da Fazenda e do Planejamento tentam tocar plano de mudanças mais profundo. Ganham a antipatia (ou franca raiva) de quase todo o resto do governo. O conflito entre Fernando Haddad (Fazenda) e Rui Costa (Casa Civil) apenas piora.
Não haverá tanta receita nova de imposto como
o governo quer, em 2024. O Congresso vai manter ao menos parte das concessões
tributárias a empresas e prefeituras, aquelas que a Fazenda queria derrubar.
A receita de alguns impostos novos e de
recuperação de outros, via disputas com contribuintes, ainda é incerta. É muito
improvável imposto novo em 2025, quando também não se vai cavar o tanto de
receitas extraordinárias que ora engordam a arrecadação.
A meta de déficit zero não será cumprida
neste ano. Embora o resultado possa ser melhor do que o esperado na praça
financeira, será insuficiente. Para 2025, a meta será revisada para baixo
(menos superávit, também difícil de conseguir). A dívida pública crescerá mais
rapidamente, portanto. As taxas de juros cairão
menos, outro motivo de aumento da dívida.
O governo quase inteiro e o comando do
Congresso querem gastar mais, dar mais desconto de imposto, dar mais dinheiro a
estados, a empresas. Servidores federais já estão em greve ou ameaçam parar.
A Fazenda diz que não há dinheiro para
reajuste de salário neste ano; dificilmente haverá em 2025, diz o pessoal do
ministério. Luiz Inácio Lula da
Silva, porém, incentiva o funcionalismo público a reivindicar.
O
otimismo de início de ano com inflação e juros nos Estados Unidos se foi.
Faz mais de um ano, expectativas de piora e melhora se sucedem a cada três
meses, por aí. Agora, estamos na temporada de baixa. A taxa básica de juros
americana deve cair menos neste ano, por causa da inflação resistente. Juros
maiores por lá dificultam queda maior de juros por cá; o dólar fica mais caro.
É o que temos visto faz algumas semanas.
Além de dificultar um tanto os investimentos
produtivos, juros mais altos (ou que vão cair menos do que se estimava) também
inflam a dívida pública.
As taxas de prazo maior do que dois anos, no
Brasil, estão maiores do que em agosto de 2023, quando a Selic ("juros
do BC") começou a cair. A taxa de juros futura de um ano voltou a subir
(era de 5,8% ao ano no início de março, está em torno de 6,3% agora).
O que se faz pelo futuro?
Parte do plano de "transição verde"
vai pingando, mas não se viu programa amplo, metas de transformação. Fala-se de
miudezas, de "entregas".
Como fazer transição tecnológica sem falar de
pesquisa científica e do que se quer com as universidades? Não se fala disso.
Nem de reforma do SUS, do setor elétrico, de política nacional de energia e
ambiente. Nem ao menos o governo se convenceu de que é preciso fazer o acerto
rudimentar, das contas públicas.
Não é previsão de desmoronamento. É
constatação de que marcamos passo, dedicados a ninharias, em uma situação que,
no curto prazo, vai azedando.
Um comentário:
Pois é.
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