segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Bruno Carazza - O PT conhece o eleitor de Marçal há anos e o ignorou

Valor Econômico

Pesquisas feitas por fundação do PT já captavam a receptividade do eleitorado ao discurso proferido por Pablo Marçal, mas pouca gente deu importância

A fora a decisão de Alexandre de Moraes de tirar o X-Twitter do ar, as conversas sobre política nas últimas semanas giram sobre um só personagem: Pablo Marçal.

Muito se tem falado de seus métodos (os legítimos e os ilegais) comerciais, de seu marketing digital aplicado à campanha eleitoral e de seu discurso teológico coach (como caracterizou a cientista política Ana Carolina Evangelista), mas pouco ainda se discute sobre o seu potencial eleitorado.

E o mais interessante é que os eleitores que aderem em velocidade estonteante a Marçal hoje (não só em São Paulo, mas no Brasil todo) já vêm sendo mapeados há anos pelo PT - embora ninguém tenha dado a importância devida a esse fenômeno.

Nas eleições municipais de 2016, o então prefeito, Fernando Haddad, mesmo apoiado por Lula e Dilma Rousseff, foi derrotado por João Doria no primeiro turno, com menos de um terço dos votos válidos (53,3% a 16,7%). O tucano venceu em todas as regiões da cidade, com a exceção de Parelheiros e Grajaú, em que a maioria dos eleitores preferiu Marta Suplicy (então no MDB).

Perplexo por ter perdido por larga margem até nos bairros mais pobres da cidade, onde tradicionalmente era muito bem votado, o PT resolveu investigar as causas do desempenho tão ruim. Especialistas contratados pela Fundação Perseu Abramo realizaram então uma série de entrevistas qualitativas entre novembro de 2016 e janeiro de 2017 para entender o que pensava o morador dessas regiões.

A pesquisa “Percepções e Valores Políticos nas Periferias de São Paulo” revelou um eleitor muito diferente do estereótipo utilizado nas análises políticas.

Para o PT e a esquerda em geral, a conclusão mais surpreendente dizia respeito às visões do residente da periferia paulistana a respeito de sua classe social e do próprio Estado.

Cito textualmente algumas das constatações da pesquisa: “No imaginário da população não há luta de classes; o ‘inimigo’ é, em grande medida, o próprio Estado ineficaz e incompetente”, e não o patrão explorador.

Aliás, “trabalhador e patrão são diferentes, mas não existe no discurso [desses eleitores] relação de exploração: um precisa do outro, estão no mesmo barco”. E assim “todos são ‘vítimas’ do Estado que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou ‘sufocar’ a atividade das empresas”.

Longe de terem sido abduzidos pela ideologia neoliberal, a pesquisa do PT aponta para um certo “liberalismo popular” bem recebido na periferia da capital econômica do país: uma população que havia progredido economicamente com o Plano Real e as políticas sociais dos governos Lula e Dilma, que tinha “forte desejo por visibilidade e valorização pessoal” e que acreditava no trabalho e no esforço como instrumento de ascensão social.

 

Para os pesquisadores da Fundação Perseu Abramo, o PT precisaria compreender melhor esse fenômeno, pois as entrevistas apontavam que esse eleitorado “tem a igualdade de oportunidades como ponto de partida e a defesa do mérito como linha de chegada”, “trata o mercado como instituição mais crível que o Estado”, e “reconhece a importância de um Estado eficaz em reverter impostos em serviços de qualidade e em reduzir desigualdades”.

Boa parte desse descrédito em relação ao Estado vinha de uma forte desconfiança com a política institucional, vista como “suja” e “cheia de gente mau caráter”. Para os entrevistados, a solução passaria pela ascensão de “gente do bem e a fim de trabalhar” e de parcerias do poder público com empresas.

Muitos desacreditaram os resultados dessa pesquisa, apontando problemas metodológicos (amostra muito pequena) ou vieses ligados ao timing da pesquisa - em meio a uma crise política (a Lava Jato) e logo após a vitória de Doria, que exacerbava esses valores pró-mercado na sua propaganda política.

No entanto, entre setembro e outubro de 2021 a Fundação Perseu Abramo foi a campo para entrevistar eleitores não identificados com Lula e nem com Bolsonaro nas cinco regiões do país (“Percepções e Valores da População Brasileira não Polarizada”). E os resultados foram muito similares.

O cidadão que se destaca nessa nova pesquisa é “fortemente alinhado ao valor do trabalho e convicto da necessidade de batalhar para vencer na vida”. Nesse caso, “trabalhador” é visto como adjetivo (sinônimo de lutador, esforçado, empenhado) e não substantivo (posição numa sociedade de classes).

Para esse público, “o padrão de consumo é o que dita a percepção de classe”. Ou seja, o mundo não é dividido entre patrões e empregados, mas entre ricos, classe média e pobres. Nesse contexto, há uma crença de que “a ascensão social e econômica é possível e que pessoas mais pobres podem ser ricas um dia” - desde que sejam “batalhadores, fortes e persistentes”.

E nessa batalha para “ser alguém na vida”, dois núcleos sociais proveem os valores e são espaço de acolhimento: a família e a igreja.

Pablo Marçal tornou-se milionário vendendo a ilusão da prosperidade a esse público. O grande desafio que a política tradicional tem é evitar que ele converta esses seguidores em votos - e isso não é um problema só de São Paulo.

 

7 comentários:

Mais um amador disse...

Excelente artigo.

Anônimo disse...

Problema de São Paulo não é ter um empresário de sucesso que administra várias empresas bilionárias que têm noção de formação de profissional e administração
O que vocês fingem não ver , O perigo para São Paulo está no candidato bolos que tem todos os adjetivos ruins Mentiroso, comunista cínico, invasor de propriedade privada, é a favor das drogas e do aborto,? agora cometeu um crime que ele deveria ser punido legalmente, que é deturpar o hino nacional nosso símbolo maior, introduzindo linguagem neutra coisa mais ridícula e assim vocês estão deixando esse canalha continuar numa campanha de teatro, fingindo ser um bom moço

Anônimo disse...

Boa

Anônimo disse...

Excelente artigo!

ADEMAR AMANCIO disse...

Marçal é um maluco total.

Sergio Caires disse...

Kkkkkk
Anônimo, sai dessa.

Sergio Caires disse...

Marçal picareta