terça-feira, 3 de setembro de 2024

Míriam Leitão - Os ruídos em torno da transição no BC

O Globo

A cada declaração de diretores do Banco Central, o mercado tenta comprovar sua tese de divisão no colegiado. Com isso, juros e dólar futuro oscilam

Há um fato afetando preços no mercado financeiro, principalmente nos juros futuros, que é artificial, gerado por interpretações. Não há conflito nem duplo comando no Banco Central. O presidente atual, Roberto Campos Neto, é quem comandará as próximas três reuniões e, apesar de muitos analistas terem visto uma posição branda de Campos Neto e outra mais dura de Gabriel Galípolo, eles têm dito a mesma coisa. Não haverá pré-indicação do que acontecerá em setembro, nem nas reuniões seguintes. Portanto, sem forward guidance.

Desde a entrevista que Roberto Campos Neto me concedeu aqui no GLOBO, e depois com as seguidas declarações de Gabriel Galípolo de que os juros poderão subir, se necessário, formou-se uma corrente majoritária entre os analistas de que há um racha no BC. Mas uma análise mais objetiva das falas de cada um, e dos diretores que eventualmente têm se pronunciado em público, como Diogo Guillen na PUC-Rio na última quinta-feira, é a de que o cenário externo teve uma melhora, mas no Brasil a inflação está mais resistente e as projeções têm subido. E, por isso, o Banco Central quer se deixar livre para tomar decisões nas reuniões. E, se for necessário, os juros podem subir. Isso até o presidente Lula já disse com todas as letras.

Há ruídos no mercado e a pressão para que os integrantes da diretoria voltem a falar, para confirmar a impressão de que há um conflito, com o atual presidente na posição “dovish”, ou seja, favorável à manutenção de juros, e o futuro presidente na posição “hawkish”, pela subida. Uma estranha coreografia em que eles teriam alternado a posição. O que ocorre é que ambos dão ênfase a uma parte da conjuntura. Galípolo focou na economia doméstica, mais aquecida e com sinais preocupantes na inflação — o acumulado em 12 meses está perto do teto da meta mesmo com a deflação de agosto. Já Campos Neto na situação internacional em que aumentaram os sinais de um pouso suave.

O dólar tem respondido a uma situação internacional, mas é fato que a moeda que mais tem oscilado é a brasileira. Em parte por estarmos em terreno desconhecido: esta é a primeira transição do Banco Central autônomo. O debate em torno do BC foi muito politizado e esse é um tempo de polarização em que tudo cai numa briga de torcidas. Só que a política monetária precisa se blindar contra isso. Sua função é ser o mais objetiva possível para evitar que se confirmem previsões de alta de inflação.

Há outro complicador na conjuntura que é a política fiscal. Os esforços do ministro Fernando Haddad e da ministra Simone Tebet para fechar um orçamento com equilíbrio são grandes, mas alguns fatos alimentam a avaliação de perigo nas contas públicas. O salto que houve no vale-gás anula parte do esforço feito pelo pente-fino em despesas previdenciárias e assistenciais, com a complicação de que veio com um drible fiscal. O dinheiro da venda de óleo de gás que cabe à União irá direto para a Caixa, sem passar pelo Tesouro. Isso pode acabar no TCU.

O orçamento foi para o Congresso com uma grande aposta em arrecadação incerta. Está difícil eliminar isenções e benefícios fiscais para as empresas. O presidente da Câmara dos Deputados avisou ao mercado financeiro que será difícil passar qualquer aumento de Juros sobre Capital Próprio (JCP) ou da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). A demagogia feita na Câmara dos Deputados na Reforma tributária ficou cara demais e o Senado tentará reverter isso em parte, mas terá dificuldades. Juntando todas as peças, o quadro fiscal ficou mais complexo nos últimos meses.

Nesse ambiente entramos em setembro. Galípolo conversando com senadores sobre sua indicação. Mas é do Senado o poder de decidir se a sabatina será antes ou depois da próxima reunião do Copom, marcada para os dias 17 e 18. O mercado financeiro tenta destrinchar cada palavra que venha do BC para comprovar as teses de divisão, duplo comando ou comunicação contraditória. E nisso, dólar e juros futuros oscilam.

A frase de Galípolo tão explorada em vários veículos não especializados — “acho que estou me expressando mal ou sendo mal interpretado” — foi entendida como um recuo. Frases assim são ruins porque tudo o que precisa ser explicado alimenta o ruído. Só que a interpretação de que ele estava recuando não faz sentido. Enfim, erra na análise quem aposta na existência de uma divisão dentro do Banco Central neste momento, por tudo o que eu pude apurar.

 

Um comentário: