sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Andrea Jubé - Para Siqueira, voto útil dificulta apoio de Tabata

Valor Econômico

Para presidente do PSB, esquerda deveria ir para o divã após 2º turno

Atuando na política há quatro décadas, com 35 deles filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), o presidente da legenda, Carlos Siqueira, é um observador experiente da cena política nacional. Neste ano, ele completou dez anos na presidência do PSB, função que assumiu após a morte trágica de Eduardo Campos na campanha de 2014. Ele recebeu a coluna para uma conversa na sede do PSB nessa quinta-feira, a três dias das eleições.

Siqueira já se acostumou aos apelos dos candidatos nos últimos dias pré-eleição por mais recursos para a campanha. Quando ouve a reclamação de que o adversário gastará o dobro ou o triplo na campanha, ele responde ter convicção de que o postulante do PSB vencerá o adversário mesmo com menos dinheiro, e porque é mais preparado para o cargo.

Dos R$ 4,9 bilhões do fundo eleitoral, o PSB levou a fatia de R$ 150,8 milhões, com base no número de cadeiras da bancada na Câmara dos Deputados. O montante equivale a 1/10 do que arrebataram, juntos, PL (R$ 863 milhões) e PT (R$ 604,2 milhões), quase R$ 1,5 bilhão. Para ilustrar, o PSD, que tem o quarto maior fundo eleitoral, com R$ 427 milhões, não conseguirá tirar do prefeito de Recife e estrela do PSB, João Campos, a reeleição, com votação expressiva.

Em 2018, na última semana de campanha, um candidato ao Senado entrou no gabinete de Siqueira, na sede do partido, com um embrulho de presente em mãos. Com um largo sorriso, entregou o presente: uma gravata de seda italiana, elegante e cara. Em seguida, fez um apelo dramático por mais recursos para a campanha porque estava em desvantagem em relação ao adversário.

Siqueira ponderou que a campanha estava no fim, precisava economizar para o segundo turno e o candidato já havia recebido o teto de gastos para a sua campanha, equivalente a R$ 3,5 milhões na época. Contrariado, o candidato mirou o pacote desfeito sobre a mesa e resmungou que não deveria ter levado o presente. Deu as costas e saiu de mãos vazias. Ao fim, o candidato deixou o PSB no ano seguinte, mas a gravata está até hoje no armário de Siqueira.

O PSB teve o melhor desempenho em eleições municipais há mais de uma década. Foi em 2012, ainda sob a presidência de Eduardo Campos, então governador de Pernambuco, e já aquecendo os motores para o voo presidencial. A sigla cresceu 50,8% no total de votos, passando de 5,7 milhões para 8,6 milhões, e também registrou uma alta de 37,8% no número de prefeitos eleitos, de 314, em 2008, para 433 naquele ano. Nas capitais, além de Recife, o PSB também governava Belo Horizonte.

O desempenho não se repetiu mais. Em 2016, o PSB elegeu 407 prefeitos, e em 2020, o número caiu para 252. Ainda assim, uma performance melhor que a do PT, que elegeu 254 em 2016, e o número encolheu para 183 em 2020.

Agora Siqueira admite que o partido não terá um desempenho relevante, mas destaca vitórias pontuais como a reeleição com votação expressiva de João Campos em Recife, a provável reeleição em primeiro turno do prefeito Doutor Daniel, em Ananindeua, cidade da grande Belém com meio milhão de habitantes. Em São Paulo, comemora que Tabata Amaral deverá ultrapassar 10% das intenções de votos em uma das eleições mais concorridas da capital, consolidando-se como liderança de expressão nacional.

O presidente do PSB ressalta, todavia, que a campanha do deputado Guilherme Boulos (Psol) pelo “voto útil” nessa reta final atrapalha as negociações para eventual apoio de Tabata ao seu nome no segundo turno.

Em uma rápida avaliação do cenário pré-eleições de domingo, Siqueira vê a esquerda em dificuldades em todas as regiões do país. Acha alarmante a situação na região Norte, onde a esquerda já foi bem votada. E vê com preocupação a conjuntura no Nordeste, principal reduto eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, onde os partidos de centro-esquerda só têm chances concretas de vencer prefeituras em Recife, com João Campos, e em Teresina (PI), com o PT. Mas há chance de segundo turno na capital piauiense. O PT batalha por uma vaga no segundo turno em Fortaleza (CE), mas sem garantia de sucesso.

O presidente do PSB identifica vários problemas para esse declínio da esquerda. Um deles é a tendência mundial de expansão do conservadorismo, com exceções pontuais, como o Reino Unido. Outro é a falta de renovação de lideranças desse espectro.

Ele também vê conflito de ideias. “Tem partido de esquerda que acha que a Venezuela é um país socialista”, criticou, em alusão velada ao PT. “E tem a esquerda democrática, que pensa diferente.” Ele lamentou as críticas ouvidas, de interlocutores de fora da militância política, que lhe perguntam se é o “socialismo da Venezuela ou da Nicarágua” que o PSB quer introduzir no Brasil. “Esse comportamento de uns prejudica toda a esquerda”, criticou.

Por fim, ele acha complicado um país, onde apenas 30% do eleitorado vota na esquerda, possuir cinco partidos nesse campo programático: PSB, PT, PCdoB, PDT e Psol.

Ele acredita que após o resultado do segundo turno, as legendas de esquerda deveriam sentar-se no divã para fazer uma leitura realista da conjuntura que as têm levado ao encolhimento. “Não podemos escamotear os problemas, precisamos fazer uma análise profunda do crescimento do conservadorismo no mundo”.

 

Um comentário:

Mais um amador disse...

Parte da esquerda, ainda, está com os dois pés afundados no século 19. Tem gente que vive na/da burocracia do funcionalismo, sindical, partidária, das estatais e delas não querem sair de jeito nenhum. Descem o malho no " conservadorismo ", como se ele fosse o maior pecado do mundo, mas não conseguem oferecer qualquer projeto alternativo de melhorias para o eleitorado. Nas últimas décadas, estão perdendo a tal " guerra de narrativas " e não sabem o que fazer.

😏😏😏