As três bandeiras levadas aos atos de rua da última quarta-feira - fim do voto secreto no Congresso, validade da Lei da Ficha Limpa e manutenção das prerrogativas do Conselho Nacional de Justiça - dependem de decisões dos Poderes Legislativo e Judiciário, que se mantiveram indiferentes ao fato de brasileiros terem saído de casa para dizer o que estão querendo.
Talvez porque os protestos tenham acontecido em semana de feriado ou possivelmente porque a quantidade de gente nas ruas não tenha sido suficiente para mobilizar as opiniões de suas excelências.
Se milhares não bastam e milhões ainda não parecem despertados para a gravidade do problema, pois, como se diz, andam satisfeitos com a economia, autoridades não dão ouvidos.
Apenas não se diga que os magistrados só falam nos autos, porque falam a respeito de tudo o tempo todo. E fazem bem em falar.
Fariam, no entanto, juízes e parlamentares, melhor em agir. Ou, melhor dizendo, em fazer a parte que lhes cabe nesse latifúndio de deformações que servem de abrigo à impunidade, alimentando, por óbvio, o crime.
Ao Poder Executivo tampouco ocorreu fazer qualquer manifestação a respeito das demandas dos protestantes, nem para dizer que sim ou que não à justeza de cada uma delas.
Se é verdade que a presidente da República se sensibiliza com essas e outras questões relacionadas à corrupção, natural seria que do governo se visse um gesto, se ouvisse uma palavra.
Mas, não. Assim como ocorreu na primeira rodada de protestos, em setembro, os Poderes da República surdos estavam, mudos ficaram.
Realmente não é fácil atuar no campo da generalidade, do combate à corrupção como um todo, se não há pontos de partida e de chegada.
Mas, no caso, aqueles atos apresentaram pedidos objetivos, além de perfeitamente exequíveis.
A resolução de dois deles está prometida para muito em breve: os julgamentos no Supremo Tribunal Federal da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e da ação que retira do CNJ o poder de iniciativa de investigar condutas suspeitas na Justiça.
Tais decisões têm sido adiadas sob o argumento de que são controversas e seria necessário esperar a nomeação pela presidente do nome que falta para completar o colegiado de 11 ministros.
A presidente não faz a sua parte, indicando o (a) substituto (a) de Ellen Gracie, mas o tribunal nem por isso tem razão objetiva para esperar. Tanto que estava pronto para votar a questão do CNJ e só não fez por causa da polêmica suscitada pela corregedora Eliana Calmon ao se referir à existência de "bandidos de toga" no Judiciário.
Sobre a Ficha Limpa, o adiamento tampouco se justifica, uma vez que no primeiro exame do tema, ainda em 2010, a maioria dos magistrados havia se manifestado a favor da constitucionalidade da lei.
Lei esta que já produziu filhotes em dez cidades e quatro Estados, cujo conceito está sendo incorporado no cotidiano e ampliado para além da exigência a deputados e senadores.
O terceiro pedido, o fim do voto secreto nas decisões do Parlamento, seria em tese o mais fácil de ser atendido porque já tem um bom caminho andado.
Foi aprovado em primeiro turno na Câmara em setembro de 2006 e, apesar dos 383 votos favoráveis, nenhum contra e quatro abstenções, virou letra morta na leniência surda dos líderes partidários e da Mesa Diretora da Casa.
O que falta para retomar a votação? Nada além de vontade para escutar a voz que vem de fora. Voz consagrada no sempre ignorado artigo primeiro da Constituição que estabelece o poder como originário do povo, "que o exerce por meio de representantes ou diretamente".
Ao ignorar o mandamento, os eleitos, para o Legislativo ou para o Executivo, subestimam o discernimento popular e põem em dúvida a legitimidade dos próprios mandatos.
Delegações estas que só existem porque em determinado momento os donos das vozes que não são depois ouvidas foram às urnas para autorizar sua existência. E, estando credenciados para eleger, estão também para exercer o poder de dizer o que fazer.
Do contrário, suas excelências estarão reconhecendo que o povo errou na escolha.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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