quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O futuro já chegou:: Merval Pereira

No seu novo livro "A soma e o resto", - título que "tomou emprestado" de um livro de seu amigo Henri Lefebvre - lançado ontem no Rio com uma conversa entre o ex-presidente Fernando Henrique, a colunista Miriam Leitão e eu na Livraria Cultura, com mediação da editora de O País do GLOBO, Silvia Fonseca, dentro do projeto Prosa na Livraria, surge um retrato mais humanizado, muitas vezes ignorado, do intelectual Fernando Henrique, tido geralmente como um cético.

Como o livro é baseado em conversas com seu assessor, o diplomata Miguel Darcy, o tom coloquial dá margem a revelações de angústias e ansiedades do ex-presidente. Sobretudo, permite que ele se revele um inquieto permanente, que assim se define: "É a curiosidade que me move. O sentido que dei à minha vida foi tentar perceber o que vem de novo por aí. Não me preocupo muito com o que já está. A gente pensa que vai ocorrer o inevitável e vem o inesperado".

Talvez por isso, tendo chegado aos 80 anos, Fernando Henrique tenha reinventado sua atividade política tratando de um assunto polêmico, mas fundamental: o que fazer diante do aumento do uso de drogas. Ele diz que se interessou pelo tema "pelo ângulo da democracia, do risco da corrosão das instituições pela violência e corrupção associadas ao tráfico".

A tese central de Fernando Henrique, que tem presidido comissões internacionais sobre o assunto, é que a droga tem de ser vista como questão de saúde pública e não meramente de repressão policial, pois fracassou a política de guerra às drogas levada à frente pelos Estados Unidos, há cerca de 10 anos assumida pela ONU como política oficial.

Ontem ele participou, pela manhã, de uma mesa redonda sobre o assunto, que eu mediei, na comemoração dos 18 anos do Viva Rio, ONG presidida pelo sociólogo Rubem César Fernandes que tem tido presença marcante na recuperação do Rio. Nada mudou nesses anos de repressão, não diminuiu o consumo de drogas em escala internacional, aumentaram as mortes, e o problema continua crescente no mundo todo. Problema como o que vivemos no Brasil, mais especificamente no Rio, agora combatido com a política de retomada de territórios dos traficantes com as UPPs. Problema como no México, onde a situação é calamitosa, com cartéis de drogas atuando violentamente, e em outras partes do mundo.

A ideia é que, a partir do fracasso da repressão, é preciso passar a tratar as drogas como questão de saúde pública, com campanhas de esclarecimentos sobre seus malefícios e restrições ao uso em lugares públicos. Fazer como autoridades no mundo todo, em graus variados, que estão tratando o cigarro, considerado por especialistas, ao lado do álcool, tão pernicioso quanto a maconha. O secretário do Ambiente, Carlos Minc, no debate, fez um paralelo: enquanto o cigarro, droga legalizada, tem seu consumo diminuído pela ação dos governos, o da maconha, droga ilegal, só faz aumentar.

A proposta encaminhada à ONU pela Comissão Latino-Americana, que, além de Fernando Henrique, teve na coordenação os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, foi pela descriminalização da maconha, por ser a droga majoritária no mundo (80% do consumo mundial) e cujos malefícios podem ser comparados aos do álcool e do tabaco.

Buscar alternativa à guerra para reduzir o consumo de maconha é um caminho para solucionar um problema que tem causado prejuízo aos países, tanto financeiro quanto em vidas. É um tema delicado, especialmente para políticos, mas tem de ser enfrentado. O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, enfrentou a questão quando ministro da Justiça no governo Lula e contou que, ao defender essa tese em uma universidade no seu estado, surpreendeu-se no dia seguinte com a manchete de um jornal, que dizia que ele defendia a liberação da maconha.

Outro caso foi uma manifestação de jovens a favor da maconha no Fórum Social Mundial em Belém, cada um com sua plantinha na mão e cantando: "Polícia, maconha é uma delícia". O ministro da Justiça e os agentes da Polícia Federal que o acompanhavam não puderam fazer nada, mesmo diante de um ato ilegal na época. Hoje, o Supremo Tribunal Federal retirou das manifestações a favor da maconha o caráter de apologia ao crime.

Tarso Genro disse que situações como essa, em que a lei não é eficaz diante da pressão da sociedade, têm de ser consideradas quando se pretende encontrar caminhos para reduzir o uso das drogas de maneira eficiente. A Comissão Global sobre Drogas vai adiante e tende a trabalhar pela legalização e regulamentação do uso da maconha para combater o tráfico e suas consequências.

Fazem parte da Comissão Global políticos como Javier Solana, ex-secretário-geral da Otan e ex-alto representante para a Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia; Ruth Dreifuss, ex-presidente da Suíça; George Schultz, ex-secretário do Tesouro dos EUA; empresários como Richard Branson, fundador do grupo Virgin e ativista de causas sociais, e John Whitehead, banqueiro e presidente da fundação que construiu o memorial no lugar do World Trade Center, além dos escritores Carlos Fuentes, do México, e Mario Vargas Llosa, do Peru, prêmio Nobel de Literatura.

A descriminalização da maconha não é o caminho ideal, mas o menos pior. Todas as drogas são prejudiciais, ressaltou Fernando Henrique; o consumo não é problema de polícia, mas de saúde pública. Problema de polícia é o tráfico, que pode ser fragilizado com a liberalização do consumo e campanhas de controle do uso e dos danos à saúde.

A sede do Comitê Olímpico Internacional fica em Lausanne, e não em Genebra, como escrevi em recente coluna.

FONTE: O GLOBO

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