Relator é duro com revisor do mensalão por absolver
ex-dirigente do PTB de dois crimes,em decisão que mais adiante pode favorecer
Dirceu. Colegas tiveramde intervir para pôr fim à discussão.
Ministros
intervêm em bate-boca no STF
Presidente do Supremo e Marco Aurélio interrompem discussão áspera entre o
relator e o revisor do processo
Helena Mader, Diego Abreu
As rusgas entre o relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, e o revisor
do processo, Ricardo Lewandowski, já viraram rotina durante o julgamento do
caso. Mas o intenso bate-boca protagonizado ontem pelos dois magistrados
constrangeu os colegas da Corte, que tiveram que intervir para acabar com a
discussão. Por trás do acalorado debate estava o entendimento divergente dos dois
magistrados a respeito de um importante aspecto da denúncia da Procuradoria
Geral da República, que embasa a tese de que o ex-ministro José Dirceu seria o
"chefe da quadrilha" do mensalão.
Lewandowski absolveu o ex-dirigente do PTB Emerson Palmieri das acusações de
corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O revisor entendeu que o réu não tinha
conhecimento do esquema. Segundo a denúncia da PGR, Palmieri teria acompanhado
o empresário Marcos Valério e o advogado Rogério Tolentino, corréus na ação, em
uma viagem a Lisboa. O objetivo da visita à capital portuguesa seria um
encontro com representantes da Portugal Telecom, supostamente agendado a mando
de Dirceu. Nessa reunião, os três réus teriam tratado do pagamento de R$ 24
milhões ao PT, para que a Portugal Telecom fosse beneficiada na compra da
Telemig.
A confusão no plenário começou quando Lewandowski explicava seus argumentos
para absolver Emerson Palmieri. "Ele (Emerson Palmieri) está na lista de
recebedores de recursos feita por Marcos Valério e confirmada por Delúbio
Soares", argumentou Joaquim Barbosa, que interrompeu o revisor.
Lewandowski, que normalmente reage com calma aos questionamentos do colega,
ontem se irritou e rebateu. "Se vossa excelência não admite a
controvérsia, deveria propor ao STF que abolisse a figura do revisor. Quer que
eu coincida com todos os pontos de vista de vossa excelência?", questionou
Lewandowski. O presidente da Corte, Ayres Britto, saiu em defesa do revisor.
"Preceitos normativos admitem interpretação diferenciada, também os fatos
admitem interpretação diferenciada. A análise passa pela subjetividade do
analista", comentou Britto.
Diante da intervenção do presidente, Joaquim Barbosa fez uma afirmação que
contribuiu para esquentar ainda mais o clima na Corte. "Como ministros do
Supremo, não podemos fazer vista grossa dos autos", disse o relator. Marco
Aurélio Mello, um dos mais antigos do STF, se revoltou com a afirmação.
"Somos 11 juízes, ninguém faz vista grossa. Seja razoável, ministro",
pediu Mello. "Cuidado com as palavras. Vossa excelência está em um
colegiado de alto nível, então vamos respeitar os colegas. Vossa excelência não
está respeitando a instituição", acrescentou Mello, que reclamou ainda da
"agressividade" das palavras do relator.
Sem ilegalidade
Ricardo Lewandowski adiantou seu entendimento de que não vê nenhuma ilegalidade
na viagem dos três réus a Lisboa, nem na reunião dos acusados com
representantes da Portugal Telecom. "O próprio presidente da empresa disse
em depoimento que não havia nenhum objetivo de natureza política",
explicou o revisor. Segundo ele, Valério teria agendado o encontro por conta de
seu interesse em manter os contratos publicitários da Telemig, caso a Portugal
Telecom fechasse a compra da telefônica. Para ele, o objetivo da viagem não era
pedir propina para o PT — argumento central da PGR para embasar a tese de que
Dirceu era o chefe da quadrilha.
Joaquim Barbosa fez questão de questionar o argumento do revisor e disse que
a viagem dos três corréus a Portugal é "bizarra" e
"esdrúxula". Ele afirmou que Marcos Valério falou em nome do PT
durante a visita a Lisboa. "Três pessoas saem do Brasil, nenhuma delas é
representante do Estado brasileiro. Ao chegar lá, um cidadão de nome Marcos
Valério se diz representante do partido que está no poder. Temos que examinar
essa esdrúxula viagem. Qual era o objetivo dessa viagem? Esses fatos estão
muito bem esclarecidos e é nosso papel interpretar o que está por trás dessa
bizarra viagem a Portugal", afirmou o relator.
Fonte: Correio Braziliense
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