“Essa surpreendente capacidade de fagocitose se equilibra - de modo eleitoralmente rendoso, mas substantivamente falso - com a seleção "sábia" do inimigo a ser abatido, seja de que maneira for. Um cenário no qual o "neoliberalismo tucano" faz as vezes de cômodo alvo retórico contra o qual se movimenta o sistema de poder do partido hegemônico, com seu séquito de empreiteiras, bancos e o grande negócio agrário, para não falar de todo o leque mais expressivo da velha e atrasada direita política nacional.
Tanto quanto a vista descortina, não seria mesmo possível ir além de variados tipos de compromisso entre as forças de mercado e as razões civilizadoras e emancipadoras da democracia política. Não se poderia cobrar da esquerda hegemônica e muito menos dos setores da esquerda democrática que suprimissem o mercado ou o sistema de empresas, num surto estadocêntrico que, no passado, se revelou insuficiente e até nocivo à ideia de uma sociedade tendencialmente autorregulada.
Poder-se-ia, no entanto, esperar, depois de um quarto de século de vida constitucional, a presença iluminadora de uma esquerda de governo que compreendesse plenamente a sociedade aberta, o Estado Democrático de Direito e a defesa esclarecida da supremacia da esfera pública nesse tipo de Estado. Seria, na verdade, o terceiro passo da construção proposta por Cerroni, um passo que, entre nós, apesar das aparências, ainda não foi dado.”
Luiz Sérgio Henriques, “A esquerda que falta”. O Estado de S. Paulo, 13 de outubro de 2013.
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