• A primeira impressão é de vitória do extremismo, de recrudescimento do radicalismo, já que a barbárie calou a liberdade de expressão
Os jornais “Le Monde” e “Le Figaro”lembraram que o pior ato de terror em Paris foi o que ocorreu em 1961, durante a guerra pela independência da Argélia, quando a Organização Armada Secreta, a OAS, de direita, explodiu uma bomba no trem Estrasburgo-Paris, descarrilando a composição e matando 28 pessoas. Em número de vítimas, sim, foi bem maior do que o de agora, com 12 mortos. Mas não em efeito moral e emocional, em impacto e comoção. Passei os anos 1960/61 como correspondente na capital francesa, e pude vivenciar o clima de paranoia da época, devido aos atentados. Até o presidente De Gaulle escapou por pouco de um. Era comum uma ameaça esvaziar uma sala de cinema ou uma estação de metrô.
Mesmo assim, agora, distante, fiquei mais chocado, pela brutalidade e frieza da ação e porque sabia o quanto Wolinski, um dos cartunistas barbaramente assassinados, era amigo de Chico Caruso e Ziraldo. Acompanhei a reação deste último: primeiro de incredulidade ao receber a notícia, e em seguida de inconformismo e dor. “Quando eu ia a Paris, ele me levava para jantar em sua casa”, recordou o nosso cartunista. “Você sabe o que isso significa para um francês?” Uma das charges guardadas como relíquia é uma bela mulher nua com a legenda: “Olha o que o Ziraldo fez comigo”. Os dois gostavam de desenhar mulher. Aliás, não só de desenhar.
À parte as memórias afetivas, o que fica? Naquela época, o terrorismo saiu derrotado, De Gaulle foi vitorioso e a Argélia tornou-se independente. E agora? A primeira impressão é de vitória do extremismo, de recrudescimento do radicalismo, já que a barbárie calou a liberdade de expressão: o fuzil venceu o lápis e o país pode sair partido. Esses fanáticos são tão insanos e obtusos que não percebem que, com suas ações, dão razão à extrema-direita e fortalecem a islamofobia. Mas, por outro lado, a atitude das lideranças muçulmanas condenando a violência e a impressionante reação dos franceses indo para as ruas de forma indignada, mas pacífica, lançando a palavra de ordem que correu o mundo — Je suis Charlie — alimentam a esperança de que o sacrifício dos mártires do massacre do “Charlie Hebdo” sirva para impedir que os fundamentalistas façam valer sua estratégia, a de uma França polarizada pelo ódio étnico e religioso.
A solução contra isso está anunciada nos cartazes empunhados nas últimas passeatas: “Je suis Charlie, Je suis musulman, Je suis juif, Je suis catholique”. Ou seja, a solução é a pluralidade, a tolerância, a liberdade de expressão.
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