sábado, 10 de janeiro de 2015

Merval Pereira - Convivendo com o inimigo

- O Globo

Bastou o boato de que o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles substituirá Graça Foster na presidência da Petrobras para as ações da estatal subirem na Bolsa de Valores. Meirelles, ou alguém com instrumentos semelhantes, mais cedo ou mais tarde assumirá mesmo a Petrobras, por que não há amizade que possa prescindir de mudanças profundas em uma hora de crise como a que vive a Petrobras.

É uma decisão básica para dar uma esperança de novos dias, coisa que a presidente Dilma ainda não conseguiu nesse seu segundo mandato. Todo governo novo traz consigo uma renovação de expectativas que por si só ajuda a melhorar o ambiente, e pode ser punido quando essa esperança nele depositada é traída.

Existem diversos exemplos recentes, e o melhor deles, no sentido positivo, é o segundo governo de Lula, que conseguiu superar a crise do mensalão para transforma-se em um líder de altíssima popularidade. As sequelas do mensalão continuarão a marcar a sua trajetória política, e seguidas do escândalo da Petrobras, retiram dele a aura de intocável que por muito tempo o acompanhou.

Mas ele foi beneficiado pela situação da economia internacional nos primeiros anos e, sobretudo, contou com os efeitos do Bolsa Família, que àquela altura de seu segundo governo começavam a aparecer, consolidando sua fama de pai dos pobres e transferindo a força eleitoral do PT para o norte e o nordeste do país.

Um fato interessante desse período é que foi o então ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, quem detectou e explorou a força eleitoral do programa Bolsa Família. Ele assumiu o ministério criado em 2004, quando as políticas sociais do governo federal estavam em crise devido à disputa de grupos políticos e a concepções distintas de suas validades.

O programa Fome Zero, do qual o Bolsa Família era apenas um efeito colateral sem maiores perspectivas, dera errado, devido à burocracia que o paralisava e à disputa conceitual não resolvida de diversas facções petistas. O Bolsa Família estava sendo tocado como um programa de cunho mais político do que eleitoral.

O então assessor especial da Presidência, Frei Betto, via o programa como um canal de fortalecimento da cidadania, e retirou das prefeituras o poder de interferir na distribuição das bolsas, fazendo com que grupos de cidadãos fossem os responsáveis pelo cadastramento e distribuição, com o objetivo precípuo de impedir o uso político do programa.

Patrus, ao contrário, viu o prestígio político que aquele programa daria a Prefeitos de todo o país e transferiu aos municípios a tarefa de distribuir o Bolsa Família, que ganhou um cunho assistencialista enquanto o novo ministério tratava de dar conceitos técnicos ao cadastramento e ao acompanhamento das condicionalidades do programa.

Embora tenha sido o responsável pelo sucesso do programa, Patrus Ananias não teve os dividendos políticos da ação e acabou alijado da política partidária até recentemente, quando retornou ao mesmo ministério no segundo governo Dilma, sem o aval do presidente Lula.

O problema da presidente reeleita é que não há mais programas novos para lançar, nem dinheiro para implementá-los, e resta a ela esperar que nomes como Meirelles ou Levy, vindos de outras hostes - que ela hostilizou na campanha eleitoral - consertem o que há de errado na economia para ter a esperança de terminar o segundo mandato recuperando a imagem de boa gestora. Para isso, ela ironicamente depende que o ministro da Fazenda Joaquim Levy cumpra o que prometeu ontem a diversos internautas em um bate-papo promovido pela Presidência da República: dificuldades a serem superadas nos dois próximos anos para que, a partir de 2017, o país volte a crescer em ritmo mais forte e com uma base mais firme.

É nessa expectativa que a presidente Dilma está aceitando mudar seus conceitos econômicos, postos em xeque no primeiro governo, que teve números pífios. Levy fala de "empregos melhores" ao fim das mexidas, mas o que se terá até lá é o aumento do desemprego. O que não se sabe é até quando Dilma aguentará os efeitos colaterais negativos das medidas que têm que ser tomadas agora para que, mais adiante, a economia volte a funcionar.

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