- Folha de S. Paulo
Somos um povo criativo que sabe criar soluções transitórias: improviso, jeitinho, gambiarra
Ano novo é momento de novas escolhas. Para entrar bem, responda para si mesmo: por que escolho ficar no Brasil?
Todos os anos, pessoas de todas as classes emigram em busca de melhores condições: empregos, melhores serviços do Estado, segurança, educação para os filhos. Costumam ser bem-sucedidos.
Nos EUA, por exemplo, enfrentam dificuldades e preconceitos, mas mesmo assim integram-se bem e têm maior índice de emprego e de empreendedorismo não só do que a população nativa, mas do que a média dos imigrantes –os dados são do livro "Brasileiros nos Estados Unidos: Meio Século Refazendo a América (1960-2010)", lançado este ano. Muitos sonham em voltar.
Ficar no Brasil é enfrentar os riscos da vida comum, a dificuldade de crescer, a precariedade e o descaso das autoridades. E ainda encarar a dor de cabeça de tentar mudar as coisas. O que nos leva a fazer isso? Arrisco um motivo fora de moda: temos amor pelo Brasil.
Amar o Brasil significa duas coisas. A primeira –e mais fácil– é querer que nosso país melhore. A outra é reconhecer aquilo que já é bom e que merece nosso apreço.
Reconhecer aquilo que vale a pena e que pode mesmo ser lição para o resto do mundo. E isso está em falta.
No discurso padrão, o Brasil fácil fácil vira a soma de todos os males. Esquerda e direita competem no pessimismo nacional. Para a esquerda, somos o país da desigualdade, da exploração, do racismo, da injustiça.
Governados por uma elite gananciosa e mestra em acomodar interesses sem operar nenhuma transformação real, estamos muito longe do ideal igualitário do socialismo, ou, vá lá, dos países nórdicos.
Para a direita, somos o país da corrupção, do patrimonialismo, da burocracia, da preguiça e do jeitinho. Nossas instituições são frágeis, nosso Estado é ineficiente, nosso capitalismo é de laços. Tão distantes da eficiência impessoal, da ética do trabalho e da ambição norte-americanos.
Ambas têm sua parcela de verdade, mas não são toda a verdade. Qual é o outro lado dessa moeda? Um país de um saudável individualismo, pouco afeito ao cabresto, em que ninguém mata ou morre em nome de uma ideologia, coletividade ou partido.
Temos tolerância baixa com os líderes que dizem nos representar. A chanchada dá o tom.
O afeto pessoal, e não a adesão fria a regras ou autoridades, pautam as relações sociais. Assim, embora marcado por racismo e intolerância, estes não falam mais alto do que os vínculos pessoais e familiares, produzindo e reproduzindo um país miscigenado, sincrético e tolerante, que com facilidade integra à mistura quem vem de fora.
Nossa política é a arte do acordo, da conciliação das diferenças. Virtudes que garantem a união de um país continental e que virão a calhar em tempos de polarização crescente. Ninguém deixa a ceia de Natal por discussão política.
Por fim, somos um povo criativo e trabalhador, que em um meio precário sabe criar soluções transitórias: improviso, jeitinho, gambiarra. Empreendedores por vocação e necessidade. Vide nosso sucesso quando emigramos para outras terras.
Não há nada de errado em mudar de país. Cada um conhece suas circunstâncias. Para aqueles que decidem ficar e apostar no Brasil, há bons motivos para essa decisão. Redescobri-los será um passo nos novos caminhos que teremos de traçar coletivamente. Um feliz 2018!
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