Decisão, tomada a pedido do PL, fere jurisprudência, dizem especialistas
O Estado de S. Paulo*
A decisão do ministro Raul Araújo, do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de proibir manifestações políticas no
festival de música Lollapalooza, gerou críticas de artistas, políticos, como
João Doria, pré-candidato do PSDB à Presidência, e especialistas em Direito
Eleitoral. Araújo deferiu pedido do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro,
e julgou que manifestações no festival como
a do artista Pabllovittar, que criticou Bolsonaro e exaltou o ex-presidente
Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), caracterizam
“propaganda políticoeleitoral”. Ministros do TSE, consultados pelo Estadão,
manifestaram desconforto com a liminar, que, segundo especialistas, fere a
jurisprudência do tribunal. Ontem, o PL organizou ato de filiação de ministros
com ares de comício, em que Bolsonaro disse que a eleição presidencial será a
“luta do bem contra o mal”.
“Por vezes, me embrulha o estômago ter que
jogar nas quatro linhas (da Constituição)”
Jair Bolsonaro
“(R$) 50 mil? Poxa... Menos uma bolsa. Fora
Bolsonaro. Essa lei vale até fora do País? Porque meus festivais são só
internacionais.”
Anitta
Cantora “Quem decide se vaia ou aplaude é a
plateia e não o TSE. Ou ligaram a máquina do tempo, resgataram o AI-5 e nos
levaram para 1968?”
Luciano Huck
Apresentador “Lamentável a censura.
Queremos um País livre e democrático.”
João Doria
Governador de SP
O ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), acolheu pedido do partido do presidente Jair Bolsonaro, o PL, e proibiu, em decisão liminar, manifestações políticas no festival de música Lollapalooza. A decisão provocou a reação de artistas, como a cantora Anitta, e foi criticada por políticos, como o pré-candidato à Presidência João Doria (PSDB). Especialistas em direito eleitoral disseram que a medida contraria jurisprudência da Corte. Consultados pelo Estadão, ministros do TSE demonstraram desconforto com a liminar.
A decisão de Raul Araújo fixa multa de R$
50 mil à organizadora do evento em caso de descumprimento. Na tarde de ontem,
após a decisão se tornar pública, a banda Fresno exibiu um telão com a frase
“Fora Bolsonaro” no palco principal do festival. Durante participação no show,
cantando Toda Forma de Amor, Lulu Santos subiu ao palco e afirmou: “Censura
nunca mais!” A organização do Lollapalooza, que terminaria ontem à noite, em
São Paulo, informou que recorreria da liminar.
Em seu despacho, o ministro do TSE afirma:
“A manifestação exteriorizada pelos artistas durante a participação no evento,
tal qual descrita na inicial, e retratada na documentada anexada, caracteriza
propaganda político-eleitoral”. O magistrado afirmou que a liberdade de
expressão, direito assegurado na Constituição, não contempla as manifestações
políticas dos artistas como as vistas no festival. “Caracteriza propaganda, em
que artistas rejeitam candidato e enaltecem outro.”
No mesmo fim de semana em que organizou um
ato político com a presença de Bolsonaro, com forte tom eleitoral, o PL foi à
Justiça contra a organizadora do Lollapalooza após artistas como Pabllo Vittar
criticarem o presidente e exaltarem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) em suas apresentações. Pabllo exibiu uma bandeira de Lula. A sigla alegou
que as manifestações dos artistas configuram campanha eleitoral antecipada.
DESCONFORTO. A decisão de Raul Araújo
causou desconforto entre outros ministros da Corte. Nos bastidores, parte dos
magistrados reagiu negativamente e viu cerceamento injustificado à liberdade de
expressão. A decisão poderá ser revista pelo próprio ministro no julgamento do
mérito e, em plenário, tem o potencial de ser derrubada. O crivo dos pares
formará o entendimento do TSE sobre o tema em caráter vinculante – ou seja,
válido para casos futuros semelhantes, segundo uma fonte do tribunal.
Ministros ouvidos pelo Broadcast Político
alegam que, além de a decisão ferir a legislação, o TSE ficou exposto a
críticas e a um debate jurídico que seria descabido.
Artistas como Caetano Veloso foram às redes
sociais lançar a campanha #Lollalivre. A cantora Anitta se manifestou contra a
decisão. Em uma publicação em suas redes sociais, ela ironizou o valor da multa
imposta pelo ministro. “50 mil? Poxa... Menos uma bolsa. Fora Bolsonaro. Essa
lei vale até fora do País? Porque meus festivais são só internacionais.”
O apresentador Luciano Huck, questionou:
“Num festival de música, quem decide se vaia ou aplaude a opinião de um artista
no palco é a plateia e não o TSE. Ou ligaram a máquina do tempo, resgataram o
AI-5 e nos levaram para 1968?”. Doria afirmou: “Lamentável a censura imposta a
artistas do Lollapaloooza. Não ao cala boca!”
Segundo o advogado Arthur Rollo, membro da
Comissão Direito Eleitoral da OAB-SP, há vários processos julgados pelo TSE que
contrariam a liminar. Em um deles, o advogado da campanha de reeleição de
Bolsonaro, Tarcísio Vieira de Carvalho, então ministro da Corte, votou pela
improcedência. “Os julgados pelo TSE deixam claro que propaganda eleitoral só
ocorre se houver pedido direto de voto e não voto”, disse Rollo. “A bandeira
com a cara do Lula usada pela Pabllo Vittar não tinha pedido direto de voto.
Era uma manifestação espontânea. A Marina instigou o povo a falar fora
Bolsonaro, o que não é pedido direto de não voto.”
Para Gabriela Rollemberg, da Associação
Brasileira de Direito Eleitoral e Político, a decisão fere a Constituição ao
restringir a liberdade de opinião dos artistas. O advogado Alberto Rollo prevê
que a decisão será reformada pela Corte. Segundo Fernando Neisser, presidente
da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São
Paulo, a decisão tem um entendimento ultrapassado da lei eleitoral. “Na
minirreforma de 2015 houve flexibilização. O debate político não começa no dia
16 de agosto. A sociedade debate política a todo momento. Só não pode fazer
propaganda negativa impulsionada na internet. Não se trata disso. É muito
perigosa essa decisão, porque ela blinda a Presidência de ser criticada.”
*Gustavo Côrtes, Pedro Venceslau, Eduardo Gayer, Iander Porcella, André Carlos Zorzi e Patrick Vieira, especial para o Estado
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