O Globo
O Brasil é um país tão estranho que, de
repente, por uma conjunção de desgraças, a situação leva a concordar com Aécio
Neves. Seu partido, o PSDB, aquele que montou o maior programa social
brasileiro — liquidou a inflação em 1995 —, realizou prévias para escolher seu
candidato à Presidência. Deu João Doria, num universo de milhares de filiados.
Como acusa o deputado mineiro, o presidente
do partido, Bruno Araújo, pretende dar um golpe e colocar o PSDB a reboque do
MDB, matando a candidatura Doria para apoiar a senadora Simone Tebet. É óbvio
que é golpe, Aécio. Se eu fosse filiado ao partido, tendo votado (preferiria
Tasso Jeiressati), não ficaria feliz em animar a palhaçada armada pelo Araújo.
Toc-toc, é a mesma toada do Bozo em relação às urnas eletrônicas — se perder, elas foram fraudadas. Embora esse infeliz seja presidente depois de eleito no mesmo sistema. Bruno Araújo e simpatizantes levam o PSDB a dar mau exemplo, de puxadores de tapete, à Bozo.
O PSDB, antes de ser um partido, é um
curioso somatório de patologias. Tem a traumática mania de dinamitar seus
melhores quadros e de desdizer suas boas gestões. (Síndromes de Caim e do
violão molhado.)
Em sua primeira tentativa à Presidência,
Geraldo Alckmin quase amaldiçoou as privatizações levadas a cabo por FH — entre
elas, a das telecomunicações e a venda de estatais vazadas em prejuízo, como
Vale e Embraer. Hoje existiria um petista que não use celular? Privatizadas, a
Vale passou a pagar milhões em impostos (parte deles irriga os fundos partidários),
e a Embraer se transformou numa referência tecnológica mundial.
José Serra, outro presidenciável do PSDB,
também não se mostrou convicto em defender a plataforma econômica do governo
FH. Perdeu para Lula, que colocou Henrique Meirelles, tucano de Goiás, na
presidência do Banco Central. Perto de Meirelles, Pedro Malan é um
protocomunista.
O ajuste feito sob FH deu gás para Lula
ficar alguns anos viajando o Brasil para falar mal da herança maldita… dos
tucanos. Maltratou tanto a história que muitos tucanos até passaram a concordar
com ele.
Falta convicção ao PSDB — ou vergonha na
cara. Vencidas as prévias por Doria (embora se diga que tenha ocorrido uma
vitória com dedo no olho), os derrotados passaram a conspirar contra o
resultado. Desde dezembro, embalam a cantilena de uma tal terceira via.
O PSDB, nascido de uma dissidência do PMDB
em oposição às práticas do governador Quércia, agora, sob Bruno Araújo, deseja
apoiar a candidatura de Simone Tebet (que é um ótimo nome, aliás). Numa
operação curiosa: assim como Doria, que não tem apoio da cúpula do partido, a
senadora não encontra eco entre os principais nomes de sua legenda —
francamente lulistas.
Com a ação, o PSDB escancara outra síndrome
— no caso, de Estocolmo. Entrega-se ao sequestrador, de quem escapou ainda na
década de 1980. O MDB tirou o “P” para disfarçar que é uma casa da mãe Joana.
Seu presidente, Baleia Rossi, perdeu a eleição da Câmara porque inúmeros de
seus companheiros votaram no Arthur Lira. Como o PSDB é uma velha senhora — com
muito passado, mas sem futuro —, alguns dos seus também ajudaram na vitória do
bozofrênico Lira.
A conversa fiada da terceira via é algo
assim mais pessoal, do tipo afinidade de pele, do que uma postura política. A
afamada polarização Lula-Bozo existe porque interessa aos dirigentes do PSDB,
MDB e UB viver na condição de “puxadinhos”, sem assumir o crediário de uma casa
própria. Sendo um amontoado de agregados, se comportam — ou votam — com a
esperança de ganhar a vida sem esforço.
Deve-se notar que a incontrolável e louca
vontade por criar um nome para a terceira via jamais coloca em evidência o
papel da eficiência e da gestão pública. É tão somente antipatia, meninos de
turmas diferentes. Fossem postos na mesa os serviços prestados, a terceira via
seria desde o ano passado Ciro Gomes à esquerda ou João Doria à direita.
A terceira via sempre esteve à mão. Só que
os dois nomes têm personalidades antipáticas e independentes. Goste-se ou não,
também escapam do bom senso das platitudes. Pela primeira vez em 40 anos de
vida pública, Lula foi sincero ao se posicionar a favor do aborto — e logo teve
de desdizer sua posição porque as tais pesquisas de opinião mostram parte do
eleitorado no outro lado da mesa. Política passou a ser a arte de não dizer o
que se pensa de fato.
Ciro perde votos porque parece não ser um
joguete dos marqueteiros. Mostrou-se várias vezes um bom administrador e, a
despeito de seu temperamento, consegue reunir ótimos colaboradores. Colocou na
praça um livro onde mostra seu projeto de país.
Bozo fala em privatizar a Petrobras só
agora (e é jogo de cena, claro) — e Doria promete vendê-la desde sempre. Ele
deixou o governo de São Paulo com R$ 30 bilhões em caixa, e o crescimento da
atividade econômica superou os 5%. Que inveja, né Bozo?
Dizer que ainda não existem nomes postos na terceira via é azeitona na eterna polarização. Assim como o voto útil em Lula no primeiro turno, com receio do golpista Bozo, enfraquece ainda mais a democracia, ao não deixar prosperar a afirmação de novas forças políticas — à esquerda ou à direita —, cravando a ideia de que não há alternativa ao reprise.
2 comentários:
Muito bom,mas o PSDB não fez tanta lambança como o PT porque governou por menos tempo,e trocar a sigla de FHC por FH é apenas um capricho desnecessário,rs.
Excelente análise.
O PSDB foi vítima da vaidade e ambição de seus membros autofágicos. Características que personificaram o ápice em Doria.
Eleição virou marketing e manipulação das emoções. E o fato de metade do eleitorado idolatrar dois oportunistas toscos como Bolsonaro e Lula é um triste retrato do país, cujo subdesenvolvimento não é destino, mas projeto.
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