sexta-feira, 17 de junho de 2022

Maria Cristina Fernandes: Vínculo de vice com agronegócio arrisca anular "bônus" de gênero na chapa

Valor Econômico

Eventual descarte do general Braga Netto como vice pode sugerir que o carimbo militar já deu o que tinha que dar

Se o presidente da República vai abandonar a lógica do vice como um seguro anti-impeachment para colocar, na sua chapa, uma parlamentar do Centrão, com ascendência sobre uma bancada, como a ruralista, com 180 votos, é porque para ser derrubado, precisa, antes, ser eleito.

O eventual descarte do general Braga Netto como vice pode sugerir que o carimbo militar já deu o que tinha que dar. Não apenas frustrou a tutela como lambuzou-se de bolsonarismo. Sua substituição pela deputada Tereza Cristina (PP-MS) não deixaria de ser uma demonstração de que o capitão deu uma fraquejada e agora precisa que lhe arrumem votos. A dúvida é se a ex-ministra da Agricultura o faria.

Se o comando da Agricultura deu a Tereza Cristina uma boa avaliação entre empresários do setor, por outro lado, também dificulta a execução da missão que viria a ter na chapa presidencial. A rejeição de Bolsonaro entre as mulheres dá-se, entre outros motivos, pela associação do presidente com a violência no campo e o desmatamento, pautas das quais a ex-ministra, pelo cargo que exerceu no governo, terá dificuldade de se dissociar.

Se Tereza Cristina enfrentou, no governo, a oposição de nomes como o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tampouco é uma ministra associada a pautas ditas “femininas”, como, por exemplo, Damares Alves, ex-titular da Pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no Brasil.

Na Câmara dos Deputados a atuação de Tereza Cristina sempre esteve muito mais vinculada à Frente Parlamentar da Agricultura e à Comissão da Agricultura do que às comissões mais tradicionalmente ocupadas por mulheres como educação, saúde ou seguridade social.

Basta ver como se dá a corrida pelo Senado no Mato Grosso do Sul, vaga disputada pela ex-ministra da Agricultura até que sua adesão à chapa bolsonarista venha a se confirmar. Seu principal adversário é um ex-colega de Esplanada, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

A saída da ex-ministra da disputa lhe é prejudicial, segundo avaliam aliados do ex-ministro da Saúde. Isso porque a disputa hoje no Estado se divide entre os que “vendem carne” e os que “compram carne”. Mandetta, apesar de relações familiares no agronegócio, busca, por sua passagem na Câmara e, principalmente, no ministério, granjear votos no segundo bloco. E teria mais facilidade em fazê-lo se fosse capaz de antagonizar com quem, como Tereza Cristina, se identifica, mais claramente, com os que “vendem carne”.

O ex-ministro mantém uma relação próxima com o PT que já governou o Estado (de 1999 a 2007) e vai lançar um professor universitário sem experiência eleitoral para o Senado. Seu primo, o senador Nelson Trad, candidato ao governo pelo PSD, não hostiliza nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nem Bolsonaro.

A associação da ex-ministra Tereza Cristina com o agronegócio arrisca fortalecer Bolsonaro onde ele já tem voto sem ajudar naqueles setores que o presidente não conquistou. Então por que cogitá-la como parceira de chapa? Uma hipótese é a facilidade que a ex-ministra teria para convencer o agronegócio a colaborar financeiramente com a campanha, faculdade da qual Braga Netto é desprovido.

A outra hipótese é que, com a saída de Tereza Cristina do páreo do Senado no Mato Grosso do Sul, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) poderia vir a desistir da disputa presidencial para tentar a reeleição. Esta hipótese, porém, é completamente descartada, tanto por interlocutores da senadora quanto pelo meio político local.

Ao colocar, novamente, o nome de Tereza Cristina na roda, o grupo político de Bolsonaro pode até pretender medir a temperatura da candidatura presidencial de Simone Tebet, sem, contudo, ser capaz de desviar a senadora de sua rota.

A presença de uma representante de um Estado agrícola, por excelência, na disputa presidencial, pode dividir mais o apoio dos empresários do agronegócio do que aquele do eleitorado do Centro-Oeste. O agronegócio contabiliza os benefícios auferidos com Bolsonaro, mas teme os limites impostos pelo mercado internacional à escalada presidencial contra o clima e os direitos humanos.

Os efeitos sobre o eleitorado advindos da entrada da senadora emedebista na disputa presidencial, porém, ainda não se fizeram sentir. No Mato Grosso do Sul, as pesquisas indicam que Lula polariza com Bolsonaro, de quem está atrás por um percentual de votos mais reduzido do que pretendia a retaguarda presidencial.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O agronegócio já devia ter acordado para o perigo de uma reeleição de Bolsonaro.