O Estado de S. Paulo
O governo Lula não poderá ser do PT. Sua melhor chance de sucesso é ser um governo de coalizão, plural e aberto a diversos partidos
Não se fala de outra coisa. Todos querem
saber como passaremos do governo Bolsonaro para o governo Lula. É
compreensível. Motores potentes turbinam o evento: o espetáculo em si, a
disputa por espaços políticos, a composição ministerial, a ansiedade.
O novo governo está recebendo dados e ideias.
O desenho é para que tudo dê certo. Mas até as pedras sabem que nada será fácil
ou tranquilo.
Antes de tudo, porque já não se vive mais nos anos dos primeiros governos petistas. Nem na economia, nem na política e na cultura. A época problematiza a democracia no mundo. Partidos não funcionam mais como antes. Políticos estão sendo substituídos por “engenheiros do caos”. Uma guerra cultural permanente fomenta uma versão não liberal e autoritária de governo, impulsionada por agitadores, mídias de opinião, redes de desinformação. Busca-se criar instabilidade e deslegitimar governos, explorando o que há de declínio da confiança social na política e na democracia. O trumpismo se liga ao bolsonarismo, que se liga ao putinismo, ao orbanismo, a formas variadas de negacionismo, de antiglobalismo, de ataques ao progressismo.
No Brasil, este clima reverbera com
intensidade. Desde a proclamação dos resultados eleitorais, o País assiste a
manobras para criar incerteza e desafiar Lula. Há fumaça golpista no ar. Como
se delineia um poder democrático, a tensão será inevitável. E terá de ser
administrada.
Sairemos de uma responsabilidade fiscal sem
dimensão social para uma responsabilidade social com dimensão fiscal. Não é
pouca coisa, haja vista a celeuma sempre que se toca no tema. A busca de uma
âncora que regule a relação entre arrecadação, gastos e dívidas parece estar no
horizonte do novo governo. Mas até agora não se sabe qual será ela. Não há
consenso nem sequer entre os principais economistas da equipe de transição. Sem
convergência, os riscos subirão ao palco.
O governo Lula terá de construir
estabilidade política e segurança institucional para não desandar. Para
privilegiar o social, precisará acertar na economia, fazendo concessões ao
“mercado” e à “austeridade fiscal”.
Eleito com o apoio decisivo de forças de
centro-esquerda, o governo precisará lidar com a tentação petista de
hegemonizá-lo, via inserção generalizada de quadros partidários nos diversos
escalões ministeriais.
O governo Lula não poderá ser do PT. Sua
melhor chance de sucesso é ser um governo de coalizão, plural e aberto a
diversos partidos, no qual os espaços políticos sejam efetivamente
compartilhados, não trocados por votos. Tal opção expressará melhor o resultado
das urnas e dará maior flexibilidade, musculatura e legitimidade ao governo.
Como Lula se dispõe a carregar o mundo nas costas, a realizar um programa de
fôlego e impacto, precisará de múltiplos apoios.
Erros e apetites desmesurados na formação
do ministério, por exemplo, criarão animosidades e atritos, complicando a
coordenação técnicopolítica e tensionando as relações Executivo-legislativo.
O novo governo nascerá juntamente com um
Congresso que não lhe é favorável. Há muitos senadores e deputados que farão
oposição pela direita. Há o Centrão fisiológico, que venderá caro cada voto em
favor do governo. O problema já está na mesa, pois o novo governo precisará ajustar
o Orçamento agora, para manter o Bolsa Família. Nem sequer tomou posse, mas já
trava um braço de ferro com o atual Congresso, do qual depende. A coligação que
elegeu Lula não é majoritária nem no Senado nem na Câmara, mas pode ser
reforçada com a incorporação dos partidos que o apoiaram no segundo turno, o
que ainda não foi tentado.
Um governo impulsionado pela democracia
social está eticamente impossibilitado de aceitar “orçamentos secretos”, nem
mesmo para conseguir aprovar a PEC da Transição, como vem sendo cogitado.
Também não poderá se entregar aos esquemas de Arthur Lira para permanecer na
presidência da Câmara. Manobras desse tipo podem viabilizar os primeiros passos
do governo, mas terminarão por enredá-lo no jogo perverso do fisiologismo.
Assimilar isso politicamente será mais
fácil com o fortalecimento da articulação que elegeu Lula. Sem ela, o governo
se enfraquecerá e a democracia voltará a correr riscos. Uma boa política, com
bons operadores, é a chave para que se cumpra o que foi prometido.
Lula não fará um governo de esquerda, com
reformas estruturais impetuosas. A linguagem do poder mudará. A renda será mais
bem distribuída. Haverá mais justiça, mais saúde e educação. Mas tudo virá de
modo incremental, aos poucos, à base de negociações e entendimentos. Combate à
fome e à exclusão social, educação e saúde, sustentabilidade e proteção
ambiental, crescimento e emprego são metas nobres, indispensáveis, de interesse
geral da Nação. Não são revolucionárias.
Quando chegar 2023, teremos um novo governo.
Passadas as comemorações, será a hora de arregaçar as mangas. Sem palanques,
sem fervor ideológico e sem disputas estéreis. Ou seja, de forma positiva.
Somente assim o País transitará para o futuro.
*Professor titular de teoria política da Unesp
6 comentários:
A pouco mais de um mês da posse, Lula e PT não conseguem organizar novo governo. Isolamento e fraqueza política se acentuam. Em tão precárias condições, o golpismo só pode prosperar. Pec da transição continuará travada no Congresso. Equipe econômica deveria sair da vertente de Armínio, Malan e Bacha, apoiadores do Segundo Turno, que seriam fiadores da nova política.
Bobagem!. Isso é desejo seu. Não tem base factual.
Lula e o Brasil não precisam de fiadores, precisam é de EXECUTORES da política estabelecida por Lula mas que seja viável num Congresso tão dividido e poderoso.
"Sairemos de uma responsabilidade fiscal sem dimensão social para uma responsabilidade social com dimensão fiscal."
"O governo Lula não poderá ser do PT. Sua melhor chance de sucesso é ser um governo de coalizão, plural e aberto a diversos partidos, no qual os espaços políticos sejam efetivamente compartilhados, não trocados por votos."
Pérolas. Miolo da questão.
Vai dar certo, muito certo!
É preciso abrir os olhos com muita atenção no Paulo Guedes.
O pilantra do Posto Ipiranga está preparando um "golpe dos dados" nos arquivos "e-Social" e "gov.br".
Esse sumiço de informações importantes vai impactar a sociedade e esconder milhares de operacões irregulare$ feita$ para aliado$.
É sério.
Assim seja!
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