Folha de S. Paulo
Inúmeros indicadores dão provas de que a
cor da pele nos distingue no dia a dia
Uma inquietação acrescida de desconforto
costuma se apossar de mim toda vez que uma sentença supostamente proferida com
a melhor das intenções soa fora de contexto.
Foi assim quando ouvi um futuro ministro de Estado falar sobre pobreza e
exclusão social e afirmar que "somos uma mistura pacífica", mas ele
tem "medo que esse tempo de paz esteja se exaurindo".
O fato de o racismo no Brasil por muito tempo ter sido velado não significa que
a convivência interracial tenha sido pacífica em algum momento da nossa
história. Da abolição (quando os ex-escravizados começaram a viver na
mendicância), passando pela Lei da Vadiagem (que incriminou "negros
desocupados"), até a oposição às cotas
raciais, sobram exemplos de violência, opressão e desrespeito a
direitos dos afrodescendentes.
Para além das implicações psíquicas,
inúmeros indicadores dão provas de que a cor da pele nos distingue no dia a
dia. Tanto que, em solo nacional, um negro tem
2,6 vezes mais risco de ser assassinado
do que um não negro.
Talvez a evidência mais escandalosa do racismo à brasileira esteja nos
resquícios escravocratas revelados pelos números ligados ao dito trabalho
análogo à escravidão. Na análise do componente racial, 80% das pessoas
encontradas nessas condições são autodeclaradas pretas ou pardas.
Pelas estatísticas do Ministério do Trabalho e Previdência, em 2021 foi
registrada alta de 106% nos casos de flagrante dessa prática criminosa em
comparação a 2020.
Em pleno DF, na semana passada 14 trabalhadores foram resgatados em condições
insalubres, em alojamentos superlotados, sem água potável. Sem falar na senhora
de 82 anos que o Ministério Público do Trabalho libertou
no interior de SP após 27 anos de "escravidão doméstica.
Infelizmente, a realidade nacional é prova de que nós, brasileiros, sempre
vivemos geográfica, social e economicamente segregados por raça. O que parece
estar se esgotando é o tempo da submissão.
2 comentários:
Considerar a oposição à existência de cotas raciais um exemplo de violência, opressão e "desrespeito a direitos dos afrodescendentes" me parece, mais do que um exagero, uma enorme distorção do debate que ocorreu a esse respeito.
A polêmica das cotas raciais.
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