Folha de S. Paulo
Ministro considera sua prioridade a
despolitização das casernas; despolitizar de verdade é militarizar os militares
Se a disciplina e a hierarquia fossem os
princípios essenciais dos militares, como dizem todas as intenções de caracterizar a
vida das casernas, não se explicariam a atualidade nem o tumultuado percurso da
República, nascida já da insubordinação contra os poderes constituídos.
Ou, o que dá no mesmo, se a disciplina e a hierarquia são os princípios que
caracterizam a função militar, quem não se enquadra nos limites de ambas
não cabe na definição de militar, propriamente.
Esta é a questão que se põe, de fato, para o indicado a ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, ex-parlamentar da linhagem mais habilidosa na política e nos convívios.
Apesar dessa qualidade, ou levado por ela,
ele emitiu na primeira entrevista de ministro designado, dada à GloboNews, uma
contradição que sintetiza a realidade pouco visível das tensões que se opõem no
momento.
Em frase não provocada, disse José Múcio
que o período daqui à posse do novo governo será historicamente dos
mais difíceis.
Perguntado, porém, sobre a existência de
riscos ao regime, foi absoluto: "Nenhum". Nem por isso deixou de
associar, diversas vezes, a palavra golpe às concentrações aceitas pelos comandos,
quando não incentivadas, na frente de instalações militares com apelos de
golpe.
O ministro designado considera sua prioridade a despolitização
das casernas. Tranquilidade é, claro, condição indispensável para um
governo levar seu país a avanços institucionais, sociais e econômicos.
A despolitização não é suficiente, no
entanto, nas circunstâncias latino-americanas e, em especial, nas brasileiras.
Se imposta, a despolitização não perdura. É frágil diante da máquina de indução
de condutas possuída pelos interesses contrários aos aspectos sociais e
culturais da democracia.
Os militares devem ao país um esforço
sincero para atualizar sua mentalidade e seu papel, ainda encravados na Guerra
Fria, na propaganda antigetulista, na onda de ditaduras militares. A
politização que se sobrepõe à função militar autêntica tem a ver com esse
quadro mofado.
Despolitizar de verdade é militarizar os
militares. Inclusive em suas especialidades. Um exemplo destes dias é a lição
extraída da Guerra
da Ucrânia pelos países atualizados: os blindados estão superados,
vencidos pelos novos projéteis.
A cada dia o fotojornalismo exibe ao mundo
quantidades espantosas de blindados reduzidos a carcaças. O Exército brasileiro está gastando mais de R$ 5 bilhões na
compra — por ora, suspensa pela Justiça — de blindados convencionais
italianos. Caducos e sem serventia.
Os futuros comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
estão escolhidos. A maior antiguidade, que os fez indicados, não é bom
critério. O mais antigo não é necessariamente o mais apto ao cargo e ao
momento.
No caso, não se sabe se, e quanto, os
escolhidos são capazes ou não de mais do que despolitizar pró-forma as suas
oficialidades. O critério da antiguidade justificou-se por evitar, em
princípio, que outra escolha mexesse com os melindres das correntes de fardados
não premiadas, bolsonaristas à frente.
Os três estarão no mesmo teste em que José
Múcio entrará logo ao tomar posse: o que será das concentrações, com muito
fanático armado de um lado e outro dos muros? Não são manifestações no uso do
direito de externar opinião, como militares têm dito acobertar sua conivência.
São fomentadores de um golpe contra a Constituição, contra
o resultado de eleição reconhecidamente legítima, contra o Judiciário e contra
a não-violência. São criminosos, todos. Em ação incompatível com governo
democrático.
Os dias de dificuldade sem precedente,
pressentidos por José Múcio Monteiro, não vão só até a posse.
Um comentário:
"São criminosos, todos. Em ação incompatível com governo democrático"
Todos, incluindo o palerma da República e o mourão.
Postar um comentário