O Globo
Se as empresas e as pessoas devem fazer
provisões contra o risco de cair uma decisão definitiva, então todas as
decisões não valem nada
Se sabotadores internacionais viessem ao Brasil para criar o caos em nosso sistema tributário — por mais competentes que fossem —, não conseguiriam fazer estrago maior que o feito por aqui mesmo. Comecem pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Pois o STF aprovou regra que cria a seguinte situação: uma empresa foi ao Supremo e lá obteve sentença dizendo que não precisava pagar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); era coisa julgada, isso desde 2007; passam-se os anos, e o próprio STF decide que se enganara, aquela CSLL é devida; ok, mas está óbvio que, durante todos os anos passados, a empresa não cometeu irregularidade alguma ao deixar de pagar um imposto com base em decisão da Corte; logo, não deve nada e passa a pagar de agora em diante, certo?
Errado, diz o STF. Tem de pagar tudo lá de
trás. Empresas privadas e estatais, apanhadas nessa rasteira suprema, têm feito
contas — e os passivos vão a centenas de bilhões de reais. Ora, as empresas
deveriam ter provisionado esses recursos, argumentou o ministro Luís Roberto
Barroso. Mas se tratava de uma decisão definitiva da mais alta Corte do país.
Se as empresas e as pessoas devem fazer provisões contra o risco de cair uma
decisão definitiva, isso significa que todas as decisões não valem nada.
Numa rara manifestação de crítica direta a
seus pares, o ministro Luiz Fux mandou ver:
— Nós tivemos uma decisão que destruiu a
coisa julgada, que criou a maior surpresa fiscal para os contribuintes, um
risco sistêmico absurdo.
Dizem que um ministro do Supremo não deve
criticar assim uma decisão do próprio STF. Faz sentido, mas — caramba, pessoal
— a Corte jogar no lixo uma decisão, repito, definitiva passa dos limites.
Mostra como tinha razão a turma que implantou o Real:
— No Brasil, até o passado é incerto.
Ou, como disse recentemente Walter Schalka,
presidente da Suzano:
— Hoje as únicas leis que se aplicam no
Brasil são as leis de Newton. Nunca se sabe que lei vale para o passado,
imagine para o futuro.
Pois não se sabe se essa decisão do STF
vale para o futuro. No Congresso Nacional, já foram apresentados três projetos
de lei que “modulam” a virada de mesa. Um PL abre um Refis (quitação parcelada
e com descontos) para empresa que deixou de pagar imposto com base em decisão judicial.
Repararam o absurdo? Um quebra-galho para a empresa que fez tudo certo e tomou
uma baita autuação. Outros projetos permitem que a empresa surpreendida pague
débitos com créditos tributários, precatórios — recursos a que a empresa tem
direito e que poderiam ser usados noutras transações.
O certo seria derrubar a decisão do STF.
Dirão: mas o Congresso pode derrubar uma decisão definitiva do Supremo? Ora,
vamos falar francamente: definitiva? Isso já era. Agora, imagine a situação da
empresa que foi autuada para pagar a CSLL lá de 2007. Paga? Recorre de novo?
Espera as votações no Congresso? Óbvio que isso trava projetos e investimentos.
Aplicar R$ 1 bilhão numa nova fábrica? E se tiver de pagar esse bilhão para a
Receita?
Estava nisso quando o trabalho dos
sabotadores ganhou nova arma: a Medida Provisória do governo Lula determinando
que, em caso de empate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o
voto de desempate fica com a Receita Federal. Que, lógico, cravará contra o
contribuinte. (Antes, o desempate era a favor do contribuinte).
Há bilhões em disputa no Carf, grande parte
decorrente de processos de fusões e aquisições. Não se trata de malandragem,
pois, mas de interpretações diferentes entre contribuintes e Receita. O que não
é nada estranho diante da selva tributária.
A Petrobras tem uma pendência de R$ 5,4
bilhões no Carf.
Vai pagar?
Depende. Já imaginando dificuldades no
Congresso, o ministro Haddad fez um acordo com a OAB mitigando os efeitos da
medida, eliminando juros e multas. Mas quem disse que o Congresso vai topar
esse acordo? De novo, o que faz a empresa: paga? Recorre? Espera o Congresso?
A reforma tributária? Rolando por aí.
4 comentários:
Perfeito.
Perfeito para a canalha sonegadora
Mais uma vez a letra a soldo do Sarda servindo ao mercadinho...
Gilmar Mendes matou no peito e fez o golaço:
CSLL é constitucional, não é bitributação, e é devida sim!
Engole que é de uva!
Carácoles!
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