Era previsível, e foi previsto, que o
desfecho da corrida eleitoral de 2022 traria uma de duas arquiteturas políticas
bem distintas. Vencesse Jair Bolsonaro, o cenário se desenharia numa
aproximação entre Executivo e Legislativo para isolar o Judiciário
crescentemente ativista. Como deu Luiz Inácio Lula da Silva, a aliança informal
é entre esse Judiciário e o Planalto, para, se necessário, esquentar a chapa
sob os pés de deputados e senadores.
Mas alienar completamente o Congresso Nacional seria de alto risco para o novo
governo, que não dispõe, na real, de base parlamentar. E, bem ou mal, algumas
propostas oficialistas precisam ser votadas ali. Então, além da coerção, como
diria Antonio Gramsci, é preciso algum consenso. Que é obtido pelo tradicional
meio de usar o orçamento e espaços na máquina para ajudar as excelências do
Legislativo a aumentar a probabilidade de reproduzir o próprio poder.
Daí que, mesmo aos trancos e barrancos, a vida siga nas relações entre
Executivo e Congresso com alguma produtividade. Polvilhada por sobressaltos,
mas nada que preocupe demais. E a contradição entre a maioria conservadora de
deputados e senadores e um governo petista? No que der, como é o caso do
“arcabouço”, vota-se. No que não der, chama-se o STF para abrir caminho aos
desejos do Palácio do Planalto.
Eis então que tenhamos chegado a algum equilíbrio, em que todo mundo está
contemplado em certo grau. Menos, naturalmente, o núcleo bolsonarista, o
“inimigo público” da hora, como um dia foi o PT. E menos também os ícones da
Lava-Jato, objeto da ira particular da autoridade presidencial. A política é
dinâmica, e, nesse teatro grego, entre um ato e outro, trocam-se as máscaras de
garantistas e punitivistas, porque, acima de tudo, o espetáculo tem de
continuar.
E sua excelência, o eleitor? Este anda mais preocupado com a economia, em
especial com a alta dos preços e com a possibilidade de perder o emprego. A
desocupação acendeu algumas luzes amarelas no primeiro trimestre, mas é preciso
esperar para saber se não foi sazonalidade. A inflação parece enjaulada pelos
juros, ainda que o núcleo dela esteja rugindo dentro da jaula e a disseminação
das pressões altistas preocupe.
O risco potencial para o governo, contemplado nesta largada com uma boa vontade
de opinião pública acima do habitual em começos de mandato (deve agradecer a
Bolsonaro), é uma eventual sensação de mesmice econômica impregnar
negativamente o humor popular. O povão se cansar do circo Lula x Bolsonaro e
começar a pedir mais pão. O Bolsa Família acima de 600 reais na média funciona
como proteção poderosa, mas é bom ficar de olho.
De olho na economia e nas pesquisas. Lula mantém, na essência, a fatia de
mercado eleitoral que deu a ele a vitória no segundo turno em outubro. Mas, por
enquanto, não está ampliando, ainda que conte com alguma boa vontade de parte
dos que não votaram nele. Apoio popular sempre é bom, ainda mais para quem não
tem uma maioria programática nem na Câmara dos Deputados nem no Senado Federal.
Governo sem base está sempre vulnerável à imponderabilidade.
*jornalista e analista político
bio -> https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker
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