Folha de S. Paulo
O aniversário de 2013 é lembrete de que a
esquerda não é mais a senhora dos protestos
O aniversário acabou, hora da conta da
festa. Junho de
2013 completou 10 anos. De presente, matérias, especiais, entrevistas.
O tratamento ao rapazinho ecoou o dispensado quando era recém-nascido.
No parto, ganhou quatro nomes. Um foi "jornadas", em honra a maio de 1968 e à Comuna de Paris, que o afiliou à linhagem da "nova esquerda". Outros padrinhos o batizaram com a tese das expectativas crescentes: satisfeitas as condições de vida, as demandas de rua seriam por qualidade de vida (na síntese lulista: "o povo já tem pão, agora quer manteiga"). Terceira alcunha foi "crise de representação": o protesto seria antissistêmico, de crítica às instituições políticas. E houve quem falasse em sequestro: parida na esquerda, a mobilização teria sido tomada pela direita.
Essas interpretações ressurgiram com a
efeméride. Todas tomam os protestos como monolíticos e unidirecionais.
Em minha
pesquisa, achei outra coisa e adotei outro nome: ciclo de protesto. Ciclos
são momentos de manifestação simultânea de muitos movimentos. Foi o que
aconteceu em junho, quando a rua foi tomada por um mosaico de movimentos com
agendas e propósitos distintos entre si.
Movimentos que cresceram lentamente, em
protestos avulsos e pequenos, desde a chegada do PT ao poder.
Muitos e variados, mas divisíveis em três parentelas. À esquerda do governo,
estavam os campos autonomista, de que o MPL foi emblema, e o neossocialista,
onde estava o MTST.
Francamente à direita do PT se situou um campo mais variado, autonomeado patriota,
graças ao uso dos símbolos nacionais, aí residia o NasRuas.
Esses campos reagiam a tentativas de
reforma do governo, que abriram três zonas de conflito.
Uma foi a da redistribuição. Movimentos se
protestaram tanto por mais quanto por menos (como os antitaxação) políticas
redistributivas de acesso a bens e oportunidades sociais escassas.
Outra foi a da violência. O plebiscito do
desarmamento, que Lula perdeu,
e a comissão
nacional da verdade, que Dilma
Rousseff implementaria, suscitaram tanto movimentos por direitos
humanos como pelo direito à autodefesa; e os em torno da revisão da lei da
anistia –a favor, como contra.
E havia a moralidade. O Mensalão, e
sobretudo seu julgamento em 2012, pôs a corrupção no coração do debate público.
A moral foi ativada ainda quando dedos institucionais avançaram na cumbuca da
vida privada: aborto e casamento
entre pessoas de mesmo sexo. Este lado dos costumes foi o que mais encheu
rua sob Lula –e foi o que abriu junho de 2013, com duas megamanifestações, a
Parada LGBT e a Marcha pela Liberdade e a Família.
Então, desde os anos Lula, havia protestos
pequenos e médios de sentidos opostos em cada uma das zonas de conflito. Mas
aconteciam em separado. Em 2013, apareceram lado a lado. Neste sentido é que
junho foi um mosaico. Movimentos com pautas diferentes –mesmo opostas–
protestaram em concomitância, o que produziu o volume extraordinário. Mas
também a ausência de agenda e liderança unificadas. Distintos em muito,
convergiram apenas na reação política à longa dominação petista.
Dez anos depois, o país está de novo sob
ela. Agora a oposição de rua está mais estruturada nos dois lados do espectro
político. O aniversário de 2013 é lembrete de que a esquerda não é mais a
senhora dos protestos, a direita agora compete pela rua. O quarto governo
petista não poderá ignorá-la, sob risco de enfrentar tempo quente como o que
sapecou Dilma.
*Professora de sociologia da USP e
pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
2 comentários:
Incrível uma professora de sociologia, ao pensar a sociedade, fazer o recorte de forma maniqueista ; há bem maior diversidade na sociedade que LadoX/LadoY, como ela considera, e os fenômenos sociais não são nada dicotômicos.
Fazer um recorte esquerda/direita para pensar a sociedade é desprezar por impulso ideológico a pluralidade de percepções, sem fazer muito esforço para aplicar alguma racionalidade ao pensar, racionalidade que nesta área de estudo já é mais delicada de ser aplicada que nas ciências duras pela natureza do objeto de estudo.
O PT ganhou 8 turnos seguidos,era muito poder,Reinaldo Azevedo dizia que o PT era mais eterno que os diamantes.
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