domingo, 27 de agosto de 2023

Míriam Leitão - A árdua tarefa de Haddad

O Globo

O ministro vem acumulando vitórias no seu objetivo de reorganizar as contas públicas, mas aumentar a arrecadação não é tarefa fácil

O ministro Fernando Haddad avança em seu projeto de reorganizar as contas públicas. Na semana passada, conseguiu encerrar a aprovação do arcabouço fiscal e, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, foi aprovada a mudança no Carf. Mesmo avançando, o governo está ainda muito distante do ponto em que precisa estar. A ideia de Haddad, como se sabe, é arrecadar mais eliminando buracos na legislação tributária brasileira. Só que nada é simples quando se trata de cobrar impostos. Na sexta-feira, aumentou a reação à mudança da taxação dos fundos dos super-ricos, os fundos exclusivos.

O governo quer que os fundos exclusivos paguem a mesma tributação que os fundos de muitos cotistas. De seis em seis meses, o o imposto de renda é recolhido diretamente do rendimento dos fundos da classe média. Já os fundos fechados, de uma pessoa só, uma família, ou poucas pessoas, com valores altíssimos, pagam apenas no resgate ou na liquidação do fundo. O leão é rápido com a classe média, é lerdo com os muito ricos. Mudar isso é uma questão de justiça tributária, mas nunca se conseguiu aprovar essa medida.

Na sexta-feira, as jornalistas Lu Aiko Otta e Jéssica Sant’Ana, do Valor Econômico, revelaram que a Medida Provisória que tratará do assunto vai propor a cobrança de 10% de taxa sobre o estoque investido nos fundos exclusivos, a ser pago em cinco parcelas. A alternativa seria pagar 15% semestralmente por dois anos. Isso incidiria sobre um total de R$ 400 bilhões a R$ 600 bilhões das famílias muito ricas. O jornal informou que será apresentado também um projeto de lei extinguindo os juros sobre capital próprio, outra forma de os ricos pagarem menos impostos. O chamado JCP abriu a porta para muitas manobras contábeis e tributárias. Há ainda a proposta para taxar as aplicações feitas em paraísos fiscais, os fundos offshore.

Em cada uma dessas medidas — cobrar imposto sobre fundos exclusivos, exigir pagamento de tributo de quem foge para paraísos fiscais, ou fechar uma porta das manobras tributárias — o que a gestão de Haddad está fazendo é cobrar imposto de quem é subtributado.

É o correto, mas não há tarefas fáceis no país do truque contábil, da exceção à regra, das vantagens setoriais. A nova reforma tributária já está nascendo com o mesmo DNA, os benefícios para alguns em detrimento de todos.

As vitórias da semana passada foram importantes. Haddad tinha prazo para apresentar seu projeto da nova regra fiscal até o fim do segundo trimestre. Mas antecipou-se. Mostrou habilidade de negociação e agora já tem todo o projeto aprovado. Como o fim do teto de gastos significa automaticamente a volta do mínimo constitucional para a saúde e educação, as despesas vão crescer. Para que suas metas sejam atingidas será preciso aumentar a arrecadação.

O governo espera muito do Carf. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é um órgão paritário entre contribuintes e a Receita Federal para a discussão de grandes contenciosos. Grandes mesmo, tipo a Petrobras, que é um contribuinte com grandes questões bilionárias no Carf. Com a mudança feita no governo anterior, o conselho ficou excessivamente favorável ao contribuinte. O “voto de qualidade”, que o governo quer trazer de volta, favorece a Receita, é certo, mas não impede que o contribuinte contrariado leve sua contenda à Justiça. O relatório do senador Otto Alencar foi aprovado na CAE do Senado e agora vai a plenário. Pode ser aprovado na terça-feira.

O governo acha que arrecadará R$ 50 bilhões com a mudança no Carf. O senador Eduardo Braga acredita que haverá uma vantagem a mais: reduzir o volume de precatórios que, com a PEC dos Precatórios do governo Bolsonaro, virou, na expressão de Braga, “uma bomba de efeito retardado”. O senador avalia que o novo conselho administrativo pode estimular a solução de disputas judiciais através da negociação, reduzindo a bola de neve dos precatórios.

O ministro Fernando Haddad não é bem entendido pela esquerda do PT, mas está querendo cobrar mais dos ricos em todas as modalidades de aplicação em que eles são favorecidos ou fogem do pagamento de tributos. E quer tornar o Estado mais eficiente na cobrança de tributos. Deveria ser visto como de esquerda, já que no meio desse caminho pedregoso, o ministro vai desagradar muita gente e contrariar diversos interesses econômicos.

 

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