quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Maria Cristina Fernandes - Segurança pública sob comando bandeirante

Valor Econômico

Equação montada por Lula enfrentará teste. Estendeu ao grupo que comanda o enfrentamento ao bolsonarismo o poder sobre a segurança pública. E nomeou Dino para equilibrar o poder deste mesmo grupo no STF

O titular será um ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (Ricardo Lewandowski) e o secretário de segurança pública, um procurador-geral de Justiça (Mario Sarrubbo), a ser empossado graças ao apoio de um ex-SSP-SP que hoje é ministro do Supremo Tribunal Federal (Alexandre de Moraes). Não há dúvida de que o Ministério da Justiça terá domínio paulista.

A mudança não se limita ao sotaque bandeirante. Se o modo como se imbricam justiça e polícia em São Paulo for exportado para o Planalto, aguardem-se mudanças a reverberar para a política.

A mosca azul que pousou no STF com os inquéritos que caçam o bolsonarismo, ameaça aportar sobre a política de segurança pública. Se a Corte asfixia o bolsonarismo de um lado, o medo face à escalada do crime organizado o alimenta do outro.

Não parece haver dúvida de que, ao escolher um secretário do porte de Sarrubbo, Lewandowski pretenda, de fato, lhe delegar poderes. Nem assumiu e já é visto no MJ como um subministro da segurança pública. Esta perspectiva não passa ao largo de sua proximidade com Moraes

Sem nunca ter se identificado com a esquerda, Sarrubbo foi muito ativo contra as afrontas civilizatórias do bolsonarismo, do meio ambiente às eleições. Como a PGR se anulou, coube aos MP estaduais, com grande protagonismo do paulista, atuar, por exemplo, para impedir a obstrução de estradas no 2º turno, em completo alinhamento com a presidência de Moraes no TSE.

Este alinhamento remonta à imbricada relação entre o MP e a segurança pública. Sete egressos do MP-SP se sucederam na SSP-SP, entre os quais, Moraes. Foi sob este imbricamento que se moldou o grupo de combate ao crime organizado (Gaeco).

Como antecipou “O Estado de S.Paulo”, a expectativa é de nacionalização deste modelo, o que levou o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, a por a boca no trombone. A gestão de Lewandowski, ficou claro, não será de continuidade.

Dino se agarra à implementação do Sistema Único de Segurança Pública, proposto e aprovado no Congresso, sob o governo Michel Temer, pelo sucessor de Moraes no MJ, Raul Jungmann. E diz que o Susp não é mandatório porque ainda não tem instâncias tripartites que executem esta política unificada na federação como, por exemplo, no SUS.

A percepção, na atual gestão do MJ, é de que a equipe que a sucederá tem uma visão enviezada pela toga, de que decisão se cumpre, e não considera as barreiras políticas da federação.

O que não dá para negar é que, ao contrário do que acontece na saúde, a implementação de uma política nacional de segurança pública esbarra na falta de comando dos governadores sobre suas polícias.

Não dá para saber como este vácuo seria preenchido por um Gaeco nacional, ainda sem forma, cheiro e cor. Mas quando policiais e promotores se insurgem contra este modelo pela afronta à autonomia é de comando que se trata.

A autonomia das polícias está conjugada à concentração de recursos. Levantamento do Justa mostrou que 66% dos gastos com segurança pública em toda a federação se destinam às PMs. Esta concentração não colaborou para tornar o país mais seguro.

Se é o imbricamento entre justiça e polícia paulistas que vai dar as cartas, é preciso reconhecer que São Paulo tornou-se, ao longo do mandarinato tucano, um dos Estados com menores taxas de homicídio do país.

Esta redução, porém, se deu em coabitação com um crime organizado que expandiu atuação para o resto do país e para além das fronteiras. E, nesta expansão, colaborou para inflacionar a criminalidade no território nacional.

O MP tem por atribuição o controle externo da atividade policial, mas, em São Paulo, um grupo especial com este fim, a exemplo do Gaeco, só foi criado em 2022 - na gestão Sarrubbo.

Das 28 mortes decorrentes da Operação Escudo, em julho de 2023, no litoral paulista, a mais letal de São Paulo desde o massacre do Carandiru, apenas uma, até aqui, foi denunciada pelo MP-SP como decorrente da atuação de policiais. O histórico do órgão é de arquivamento de 90% dos inquéritos.

O MP-SP tem recomendado à PM o uso das câmaras policiais, mas foi a defensoria pública do Estado que arrancou uma liminar para impor a obrigatoriedade que acabaria sendo derrubada pelo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Recurso da defensoria ao STF foi rejeitado pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.

Os planos de Sarrubbo só serão conhecidos quando a nova equipe tomar posse na próxima semana. O clamor popular pelo enfrentamento do tema preocupa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e respalda o poder com do futuro secretário. Dependerá de resultados para mantê-lo.

A toga salvou a democracia, mas a concentração de poderes do Supremo mantém Bolsonaro a salvo, por exemplo, de uma denúncia no inquérito das joias, inexplicavelmente mantido na Corte superior.

O Executivo não desfruta da mesma discricionariedade. Uma concentração de poderes exacerbada na segurança pública pode vir a ser questionada no STF, futuro teto de Flávio Dino.

Será o teste da equação montada por Lula. Por um lado, estendeu ao grupo que comanda o enfrentamento ao bolsonarismo o poder sobre a segurança pública. Por outro, nomeou ministro de sua confiança para equilibrar o poder deste mesmo grupo no STF.

 

2 comentários:

Daniel disse...

Uma análise cuidadosa e aparentemente imparcial das mudanças no ministério da Justiça. Depois de 4 anos de DESgoverno Bolsonaro (que incluía CRIMES cometidos pelos seus dirigentes, como Ricardo Salles, Ramagem, todos os ministros da Educação e o próprio Jair), o primeiro ano do governo Lula teve muitas melhorias, mas a segurança pública ainda é uma grande preocupação dos cidadãos.

ADEMAR AMANCIO disse...

SSP,secretaria de segurança pública.