Folha de S. Paulo
Se estivesse vivo, Nelson Rodrigues acharia o
furto de seu busto no cemitério a glória definitiva
"Vestido de Noiva" (1943), peça de
Nelson Rodrigues, começa com o atropelamento da protagonista, a tentativa de
salvá-la na mesa de cirurgia e sua morte. "Valsa nº 6" (1951) é o
monólogo de uma menina morta. "A Falecida" (1953), a história de uma
mulher que quer um enterro de luxo, com cavalos de penacho. O romance-folhetim
"Asfalto Selvagem" (1959), uma festa de mortes naturais, suicídios e
assassinatos, sempre por amor.
Toda a obra de Nelson Rodrigues, em teatro, ficção ou crônica, é uma galeria de viúvas (algumas, porém, honestas), mulheres de luto, crianças-fantasmas e figuras espectrais. Sua vida, aliás, foi definida pelo assassinato de seu irmão e consequente morte de seu pai. E ninguém escreveu mais sobre velórios. A morte era o grande assunto de Nelson.
Por isso, não me surpreende que, se tivessem
de roubar algum dos três Nelsons de bronze no Rio (a estátua numa praça em
Copacabana, o busto na sede do Fluminense e outro sobre seu túmulo no Cemitério
São João Batista), o escolhido seria esse último. Foi o que
aconteceu na madrugada de sábado (20). A escultura, mostrando-o
ao seu instrumento, a máquina de escrever, estava ali plantada desde sua morte,
em 1980.
Pelo visto, não tão bem plantada. Pela
facilidade com que a tiraram da base e, apesar de seus 45 quilos, saíram com
ela alegremente porta afora, parece obra de profissionais. Ao contrário
dos óculos da
estátua de Carlos Drummond de Andrade, repetidamente furtados por
gente de fora para exibir em seus burgos ("Olha a lembrança que eu trouxe
do Rio!"), o busto de Nelson terá sido levado por locais, para ser
derretido.
Pelo que conheço de Nelson como seu leitor e
biógrafo, acho que, se estivesse vivo, ele veria nisso a glória, a consagração
definitiva. "Ninguém mais exibicionista do que o defunto", dizia.
"O morto quer plateia. O ideal seria que nossa morte fosse a preliminar do
Fla-Flu".
Um comentário:
Eu sempre tive vergonha de morrer por isso mesmo,todo mundo ficar me olhando é o fim,rs.
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