quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Zeina Latif - O grande teste de Haddad

O Globo

O quanto será possível a Fazenda esticar a corda é difícil dizer, mas a contenção de gastos se tornará crescentemente necessária

É cansativa a insistência no tema fiscal. Ele acaba tomando um espaço que caberia aos muitos temas de política pública que definem o caminho para o desenvolvimento econômico e social do país.

Como o país insiste em não enfrentar os desafios para conter o crescimento da dívida pública, cuja trajetória destoa do observado na maioria dos países, o tema fiscal está sempre no radar.

As dificuldades da gestão fiscal serão crescentes, o que poderá demandar mudanças de rota na estratégia atual, sob pena de comprometer a credibilidade do time econômico.

Inicialmente, é necessário reconhecer que a vida do time econômico não é fácil. Todos os conflitos distributivos e pressões de segmentos organizados deságuam na Fazenda. O entorno ideológico, do PT, que defende o expansionismo fiscal, aumenta o desafio. Por esse aspecto, há grande mérito na definição de uma regra para o aumento dos gastos.

No entanto, aprovar o arcabouço fiscal foi até fácil; difícil mesmo é sua implementação.

Já discuti neste espaço que a atual regra fiscal tem uma inconsistência interna, na falta de medidas para conter despesas. Pode-se argumentar que a regra do teto padecia do mesmo problema. Não é bem assim.

O governo Temer foi transparente quanto à necessidade de conter despesas públicas, colocando a regra do teto como um fator a forçar a revisão de gastos — como a Reforma da Previdência. Agora, aposta-se apenas no aumento de impostos, ainda que por vezes sejam pleitos justos.

Além disso, o governo caminhou no sentido contrário do recomendado e aumentou a rigidez das despesas obrigatórias, por meio de mecanismos que fazem os gastos crescerem automaticamente: as despesas com saúde e educação voltaram a ser vinculadas ao comportamento da receita, e o salário-mínimo voltou a ter ganho real (acima da inflação) pela taxa de crescimento do PIB, impactando metade dos gastos públicos (o principal é a previdência).

Isso significa que a regra de os gastos crescerem o equivalente a 70% do aumento da receita implica uma contenção das demais despesas que não é factível ao longo do tempo sem reformas estruturais.

Como resultado, independentemente das metas pouco críveis de resultado fiscal (déficit zero este ano, caminhando para o superávit primário de 1% do PIB em 2026), é necessário um forte aumento da carga tributária para se cumprir a nova regra fiscal, o que não é viável do ponto de vista político.

Sem contar que o Congresso tem procurado abocanhar parte dos ganhos de arrecadação, como no aumento de emendas parlamentares e do fundo eleitoral.

Do ponto de vista econômico, é algo frágil, pois ajustes fiscais baseados em aumento da arrecadação, e não no corte de despesas, machucam mais o crescimento econômico.

No ano passado, a gestão da política fiscal enfrentou menos dilemas, por conta da licença para gastar da PEC da Transição. Tanto assim que a Fazenda decidiu antecipar algumas despesas, sem se preocupar em cumprir a meta esquecida de déficit primário de 0,5% do PIB (2023 deve fechar com déficit de 2% do PIB), para, assim, aliviar o Orçamento de 2024.

O desafio agora é maior, e por isso mesmo há despesas que ficarão fora do teto, como, por exemplo, parte dos precatórios. Vale citar que é uma questão de tempo a revisão da meta.

O problema vai se agravar nos próximos anos, conforme se esgotarem as medidas para aumento da arrecadação, muitas com impacto de curto prazo.

O problema não se esgota em cumprir as metas fiscais. A forma também importa. Malabarismos e expedientes para artificialmente inflar receitas e subestimar despesas, como elencados por Marcos Lisboa, podem até driblar os agentes econômicos por um tempo. No entanto, têm vida curta, pois a elevação do endividamento a cada mês, além do (mandatório) balanço bimestral do Tesouro, acaba revelando o problema que se tentou camuflar.

Há ainda o efeito colateral de corroer a reputação do time econômico, com consequências, por exemplo, nos juros da dívida do governo.

O quanto será possível a Fazenda esticar a corda é difícil dizer, mas a contenção de gastos se tornará crescentemente necessária. Colocar o tema na agenda de Lula será o grande teste da Fazenda.

A negociação em torno da reoneração da folha de 17 setores poderá ser um sinal do capital político do ministro Haddad.

 

2 comentários:

Anônimo disse...

RUIM COM O ARCABOUÇO
PIOR SEM ELE

■■■Quem dera o chamado Arcabouço Fiscal houvesse sido feito para impedir os gastos fora da realidade fiscal do Brasil.
■O chamado Arcabouço Fiscal foi feito para autorizar gastos fora da realidade, e não para impedir:: ele apenas estabelece alguma contenção, evitando que a farra seja completa como o PT fazia e como Bolsonaro fez.

=》Mas por causa do Arcabouço, mesmo quando no ano anterior ocorrer queda de receita o governo está autorizado a aumentar no ano seguinte gastos iguais a 0,6% do PIB estimado na LOA.

■■■Sem garantir a diminuição da dívida, o Arcabouço vai servir para uma velocidade menor de deterioração das contas públicas:: as contas continuarão a se deteriorar, só que mais devagar do que veio se deteriorando de 2013 para cá. E isso se o Arcabouço for cumprido, no que eu não creio por o presidente ser Lula. Se o presidente fosse Haddad dava até para acreditar em contenção de gastos no tamanho suficiente.

■■Se o chamado Arcabouço Fiscal houvesse sido feito para ser cumprido ele não permitiria tanta flexibilização.

■■■Bem:: ruim com o Arcabouço, pior seria sem ele.
■O PT, porque antes não havia o freio de retardo que é o Arcabouço, entre 2007a 2014 jogou o Brasil na maior recessão de sua história; e as consequência desses erros estamos vivendo até hoje.

■■A recessão gigante a que as políticas do PT a partir de 2007 nos condenaram foram contornadas com a aplicação do "Teto de Gastos" entre 2017e2019, mesmo tendo havido alguns descumprimentos de suas regras.

=>O aumento de gastos autorizado durante a Pandemia de Covid, este foi um gasto aceitável e que se justificava por si só. Mas logo depois a política de gastança foi retomada por Bolsonaro e não será abandonada pelo PT e seus aliados do Centrão na Câmara e no Senado::
■Apenas que a farra que era feita antes, quando o PT e o Centrão gastaram sem o freio do Arcabouço, era farra com Churrasco de Picanha; agora, com o Arcabouço, vão ficar mais perto do Feijão com Arroz.

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom o artigo.