Folha de S. Paulo
Parlamentares disputam protagonismo em
decisão de detalhes de como funcionará novo sistema de tributos
A volta dos trabalhos do Congresso começa
nesta segunda-feira (5) já com a disputa por protagonismo em torno da
regulamentação da reforma tributária sobre os impostos do consumo.
O gatilho começou porque o Ministério
da Fazenda criou 19 grupos de trabalho para regulamentar o texto da
emenda constitucional, porém, não incluiu nenhum representante do setor
privado. Nenhum sequer.
Os grupos foram instalados e os ânimos não arrefeceram. Pelo contrário, deu mote para que os Congressistas (alguns deles da oposição e que votaram contra a PEC da reforma) se organizassem para começar o ano legislativo com a pauta paralela da regulamentação.
A reação do setor privado é um indício de que
a regulamentação pode acabar demorando mais. Sem as normas aprovadas, a reforma
não fica em pé e não pode funcionar na prática.
Um ponto que não veio à tona ainda,
identificado pela coluna, é que um grupo de parlamentares quer aproveitar a
fase de regulamentação da PEC para tirar poder da Receita e dos demais Fiscos
estaduais e municipais de baixar as normas.
Planeja-se que os textos saiam do Congresso
sem precisar das chamadas normas infralegais, como as famosas INs (Instruções
Normativas) da Receita. Será difícil implantar tal sistema, mas esse movimento
está crescendo.
Em junho de 2021, ainda no governo Bolsonaro,
o presidente da Câmara, Arthur Lira, cantou essa bola ao afirmar que pretendia
restringir a atuação da Receita
Federal na regulamentação de leis tributárias aprovadas pelo
Parlamento.
Em live organizada pela Fiesp, ele disse na
ocasião que, com as mudanças previstas na reforma tributária, o Fisco "não
poderia mais regulamentar as leis e soltar resoluções para a sua
aplicação".
O desejo só aumentou. Para quem está junto
com Lira nessa empreitada, a hora chegou.
O secretário Extraordinário de Reforma
Tributária, Bernard Appy, até ganha tempo na elaboração dos três projetos de
regulamentação sem ouvir as demandas das empresas, mas pode perder na
negociação depois no Congresso.
O argumento de Appy é que o "tiro é
curto" —60 dias para entregar os trabalhos— por causa da janela apertada
das eleições municipais deste ano.
Appy disse que os grupos teriam autonomia
para convidar representantes do setor privado para conversas. Até agora isso
não aconteceu.
Risco ainda maior seria a Câmara (onde os
projetos começam a tramitar) passar na frente o texto que será elaborado pela
regulamentação paralela e deixar a proposta do governo em segundo plano.
Se essas insatisfações não forem contornadas
nas próximas semanas, vai dar problema no futuro. A estratégia do
ministro Fernando
Haddad (Fazenda) de garantir a votação ainda no primeiro semestre pode
não acontecer, com custo político e também econômico.
A regulamentação pode sair mais cara com
novas exceções. A disputa em torno delas não acabou com a aprovação da PEC. Só
fica agora restrita aos detalhes técnicos. Os interesses por trás de cada
trecho incluído, ou eventualmente modificado na votação, serão ainda mais
difíceis de serem identificados na complexa linguagem dos textos legislativos.
Os parlamentares abriram as portas para
entidades e associações, como
mostrou no domingo a coluna Painel da Folha.
As frentes parlamentares do Empreendedorismo,
Agricultura, Comércio e Livre Mercado montaram um calendário de cinco semanas
de debates, a partir do dia 20 de fevereiro. Depois, vão apresentar uma
proposta de texto de regulamentação.
Sabia-se que a regulamentação seria uma
parada dura. Talvez ainda maior do que a aprovação da PEC. Faltou, no entanto,
tato, prudência.
Faz sentido o setor privado participar das
discussões. Dessa forma, as propostas podem chegar ao Congresso com mais
consenso.
A reforma precisa ter a visão de quem cobra
(os Fiscos do governo federal, estados e municípios) e de quem paga (as
empresas e pessoas físicas).
O meio termo.
Nem abrir a negociação para um debate
interminável nem excluir o contribuinte das negociações nessa fase inicial.
Senão fica a impressão que o governo está
querendo apenas passar o rolo compressor usando os 19 grupos técnicos.
Um comentário:
Pois é.
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