domingo, 4 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Empresas elétricas têm de se adaptar a clima em mutação

O Globo

Com tempestades e falta de luz mais frequentes, governo e companhias devem se preparar para emergências

Concessionárias de energia e autoridades precisam se adaptar urgentemente aos eventos extremos impostos pelas mudanças climáticas. Não bastassem os danos provocados por inundações e deslizamentos cada vez mais devastadores e letais, os brasileiros têm sido obrigados a conviver com cortes de energia que duram horas, por vezes dias, depois dos temporais. Ainda que transtornos e prejuízos sejam inevitáveis em certas circunstâncias, o país precisa estar preparado. As empresas precisam dispor de planos de contingência e equipes treinadas para agir rapidamente e restabelecer os serviços. E os governos precisam cuidar da poda de árvores e da manutenção necessária para evitar danos à rede elétrica. Não dá para apenas pôr a culpa nas intempéries, por mais excepcionais que sejam.

Em novembro, as fortes chuvas que castigaram São Paulo deixaram mais de 500 mil moradores sem luz. Muitas árvores foram derrubadas sobre a fiação, provocando apagões. Parte da população ficou às escuras por mais de 72 horas. Em janeiro, mais de 200 mil moradores de Porto Alegre e cidades vizinhas se desesperaram ao permanecer mais de três dias sem energia. A demora no restabelecimento do serviço ensejou protestos de consumidores e do governador Eduardo Leite (PSDB). No Rio, chuvas recentes deixaram moradores sem luz por mais de 40 horas. Na Ilha do Governador, os cortes têm sido frequentes, e a eletricidade depende de geradores. São apenas alguns exemplos de uma situação que se repete país afora.

As empresas não podem apenas alegar que as tempestades têm sido excepcionais. Serão cada vez mais. Ou que não puderam agir de imediato porque dependiam de outros órgãos para retirar árvores e postes derrubados sobre a rede elétrica. E o governo não pode empurrar toda a responsabilidade às concessionárias. A população não tem nada a ver com a falta de coordenação dos serviços públicos. Diante de episódios sucessivos, concessionárias e governos já deveriam ter desenvolvido rotinas para atuar em situações de emergência, reduzindo sofrimento e prejuízos.

O secretário nacional do Consumidor, Wadih Damous, disse que aplicará multas às concessionárias e recomendará à Aneel a cassação da concessão de empresas que interrompam o serviço por longos períodos. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) defendeu que a Aneel não renove o contrato de concessão com a Enel, que vencerá em 2028. O prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), foi a Brasília exigir auditoria no contrato com a concessionária. No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD) afirmou que recorrerá à Justiça contra a Light. A luz se tornou tema da campanha eleitoral deste ano.

O problema não será resolvido com discursos ou medidas espalhafatosas. Até porque não diz respeito a apenas uma empresa ou região. As falhas estão por toda parte. Concessionárias e autoridades alegam que enterrar a fiação para evitar danos à rede aérea é caro, e o custo acabaria sobrando para o cidadão. No longo prazo, seria a solução mais sensata. No curto, é preciso exigir das empresas planos de contingência para lidar com emergências e dos governos o zelo pela rede de fios. O consumidor, que paga contas em dia, não pode passar horas ou até dias sem energia, enquanto ouve o surrado “estamos trabalhando para restabelecer o serviço”.

Governo esvazia Carf para tentar aumentar arrecadação tributária

O Globo

Além da mudança no critério de desempate nas votações, outras medidas prejudicam contribuinte

É conhecida a complexidade do sistema brasileiro de impostos, que perdurará pelo menos até que a reforma tributária surta efeito. Enquanto isso, no afã de aumentar a arrecadação para cumprir seus compromissos fiscais, o governo tem lançado mão de toda sorte de expediente.

Chamou a atenção no ano passado o esforço para que o Congresso aprovasse uma mudança favorecendo o governo no critério de desempate das votações do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), organismo da Receita Federal para onde contribuintes, geralmente empresas, encaminham reclamações tributárias. Mas poucos repararam em outras medidas em detrimento do contribuinte.

Em artigo recente no jornal Folha de S.Paulo, a advogada tributarista Carolina Massad chamou a atenção para o esvaziamento progressivo do Carf. De acordo com novas regras adotadas pela Receita, questões que chegavam ao conselho para decisão final serão agora examinadas por turmas recursais das Delegacias de Julgamento, compostas apenas de auditores fiscais.

Antes, os recursos de quem considerava ser obrigado a pagar imposto indevido eram submetidos a câmaras do Carf, com representação paritária de contribuintes e auditores. Agora, nas novas turmas recursais, serão apenas auditores. Portanto a análise de reclamações dos contribuintes passa a ser um jogo que o Fisco tem chances de vencer quase sempre. A tendência é a reclamação tributária ser encaminhada logo à Justiça, que já acumula o maior contencioso tributário do mundo.

As delegacias tratavam apenas da primeira instância. Passaram a julgar recursos em segunda e última instâncias por meio das novas turmas. Por enquanto, se limitarão a reclamações de até 60 salários mínimos (R$ 84,7 mil). Nada impede, contudo, que o limite seja aumentado numa penada do secretário da Receita ou do ministro da Fazenda. A justificativa do governo é dar mais celeridade aos processos no Carf. Mas está claro que a finalidade da criação das turmas não é outra senão aumentar a receita de impostos, estratégia do governo para tentar cumprir as metas fiscais.

No início de janeiro, em mais uma alteração no regimento interno, as cinco turmas extraordinárias do Carf passaram “preferencialmente” a julgar recursos de até 2 mil salários mínimos (R$ 2,8 milhões). Massad prevê que o limite será ampliado, acelerando o esvaziamento das duas turmas ordinárias, onde estão os auditores fiscais mais experientes. Contra os interesses do contribuinte, algumas reuniões de turmas do Carf também passaram a ser realizadas a portas fechadas, sem a possibilidade de acompanhamento de discussões em tempo real. Sustentações orais, antes feitas ao vivo, precisam agora ser gravadas e enviadas com antecedência. Há, segundo Massad, possibilidade de engavetamento das queixas sem qualquer análise.

Tudo isso forma um conjunto de evidências de que o governo tenta, de forma dissimulada, transformar o Carf de uma instância que aplica a lei em mero instrumento de arrecadação.

Funções do Estado

Folha de S. Paulo

Comparação global mostra alto gasto no Brasil; prioridades devem ser revistas

Trabalho recém-divulgado pelo Tesouro Nacional traz dados capazes de contribuir para maior racionalidade no debate nacional. Ao comparar volume e destinação dos gastos públicos no Brasil com padrões internacionais, o relatório permite observar que aqui não falta Estado —pelo contrário. Prioridades, porém, podem e devem ser revistas.

Tomando como base o ano de 2021 e a metodologia desenvolvida pelo Fundo Monetário Internacional para padronizar estatísticas fiscais, a despesa brasileira nos três níveis de governo atingiu o equivalente a 42,7% do PIB no cálculo do Tesouro (são 43,2% para o FMI).

Tais percentuais estão próximos da média dos países ricos para os quais há números disponíveis (45,3% do PIB) e bem acima da verificada entre emergentes (35,2%).

É fato que nossa cifra está inflada por um gasto anômalo com juros da dívida, o mais elevado do mundo, de 6,8% do PIB em 2021. Entretanto isso não impede que nos destaquemos em outras áreas.

A despesa com proteção social é especialmente notável no Brasil, atingindo 16,3% do PIB naquele ano —desde então, aumentou ainda mais com a ampliação do Bolsa Família e os reajustes do salário mínimo. Tal patamar chega a superar o do mundo desenvolvido (16,2%) e está muito acima da cifra dos emergentes (10%).

Todo esse volume de recursos, infelizmente, não é bem distribuído, o que compromete sua eficácia no combate à pobreza e à desigualdade. Os desembolsos com aposentadorias e pensões por morte, em particular, superam os de países mais ricos e de população mais velha, e não estão focados nos estratos mais carentes.

Seguimos o padrão global de dispêndio público em educação, com alta de 4,5% para 5,2% do PIB de 2021 para 2022. Todavia gastamos relativamente muito com ensino superior e ficamos abaixo da média geral no ensino básico.

As despesas com saúde foram afetadas pela pandemia no período, passando pela primeira vez de 5% do PIB, menos que no mundo rico e mais que no emergente. Esse é um setor que demandará aumento de verbas com o processo de envelhecimento da população.

Causa espanto, por fim, que o Brasil esteja acima dos patamares globais de gasto governamental em ordem pública e segurança, com 3% do PIB. Isso se deve aos custos exorbitantes do Judiciário, de 1,6% do produto, nível sem paralelo entre as maiores economias.

Tudo considerado, há várias frentes a atacar para que o Estado brasileiro cumpra a contento sua missão social com equilíbrio orçamentário —sem o qual a escalada da dívida pública continuará drenando recursos e prejudicando o crescimento da renda nacional.

Segurança, de novo

Folha de S. Paulo

Lewandowski promete combater crime organizado; país carece de plano para o setor

Ricardo Lewandowski, ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, assumiu seu novo cargo público, agora de chefe do Ministério da Justiça no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Como muitos de seus antecessores, apontou a área da segurança pública entre as suas prioridades.

É difícil imaginar que pudesse ser diferente. Faz tempo que o Brasil, convivendo com o espraiamento do crime organizado, coloca-se entre as nações mais violentas do mundo; em um ranking de 2021 elaborado pela ONU, o país encabeçou a lista global em número absoluto de assassinatos.

Se é verdade que os índices de homicídio estão em queda desde 2018, nem por isso eles atingiram patamar aceitável para a sociedade. Ainda pior, não se sabe ao certo que fatores levaram a essa redução.

Faltam evidências e boas ideias nesse campo, sobram receitas enganosas, sobretudo quando a direita populista assume a dianteira desse debate: propostas como armar os cidadãos, estimular a truculência policial e endurecer as penas servem apenas para iludir certas fatias da população.

Pouco ajuda que, neste século, tenha prevalecido a falta de continuidade das políticas para o setor. Desde o ano 2000, foram nada menos que nove planos de segurança pública —ao menos um para cada novo mandato presidencial.

As falhas sucessivas levam autoridades a buscar soluções até onde elas jamais estarão. Foi esse o caso da ideia, adotada por Lula em sua campanha, de desmembrar a pasta da Justiça para conferir maior prioridade à segurança pública.

Parvoíces como essa podem até animar a plateia, mas, no que diz respeito ao problema, são estéreis. Medidas relevantes demandam muito mais que simples mudança de nome; exigem planejamento e, por que não dizê-lo, coragem.

Pois não é simples liderar projetos em prol da descriminalização das drogas e da redução do encarceramento, mas, sem tais ações, o combate ao crime organizado parece fadado à derrota —é precisamente dentro das prisões que as facções recrutam seus soldados.

Não se trata de tarefa exclusiva do governo. Congresso, Judiciário e sociedade como um todo precisam entender que tais alternativas têm sido adotadas com sucesso em outros países. Por mais que haja muito a avançar em frentes como inteligência e integração das polícias, cedo ou tarde o Brasil terá de encarar o debate mais difícil.

Harmonia só na aparência

O Estado de S. Paulo

Lula, ministros do STF e Pacheco tentam demonstrar harmonia entre os Poderes, mas a ausência de Lira na abertura dos trabalhos do Judiciário mostra que algo não vai tão bem

Com gestos simbólicos, afagos mútuos e celebração entusiasmada da democracia, a abertura dos trabalhos do Poder Judiciário e a posse de Ricardo Lewandowski como ministro da Justiça, na última quintafeira, reafirmaram a aliança entre o governo do presidente Lula da Silva e o Supremo Tribunal Federal (STF), com a chancela do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Houve um notável esforço para caracterizar esse movimento político articulado por Lula como “harmonia entre os Poderes”.

Na prática, até as poltronas reformadas do Supremo sabem que Lula busca nos ministros togados o apoio que lhe falta no Congresso – sobretudo na Câmara, cujo presidente, Arthur Lira, sintomaticamente faltou à pajelança de Lula, Pacheco e ministros do STF.

É compreensível que, oficialmente, Lula, Pacheco e o presidente do Supremo, ministro Luís Roberto Barroso, se regozijem de uma convivência civilizada e respeitosa e da ausência de uma crise institucional. “Felizmente, não preciso gastar muito tempo nem energia falando de democracia, porque as instituições funcionam na mais plena normalidade, com convivência harmoniosa e pacífica de todos”, afirmou Barroso no primeiro discurso do ano no plenário do STF. Ao presidente do Senado, emendou: “Somos imunes a intrigas”. Pacheco, por sua vez, afirmou que nenhuma instituição tem o “monopólio da defesa da democracia no Brasil”.

Depois, na posse de Lewandowski no Ministério da Justiça, Lula qualificou como “demonstração de afeto” a presença ali de quase todos os ministros do Supremo – gesto natural depois que o petista demonstrou todo o seu afeto pelo Supremo ao nomear um de seus ex-integrantes para a Justiça, ao mesmo tempo que colocou no Supremo seu ex-ministro da Justiça, Flávio Dino.

A estratégia de Lula, portanto, parece funcionar, mas está claro que a insatisfação por parte de Arthur Lira tem todos os elementos de algo mais grave em curso. Não foi a sua primeira ausência num grande ato em que se aproveita para celebrar a aliança e a harmonia entre os Poderes. Na solenidade que marcou o primeiro aniversário do 8 de Janeiro – aquela que acabou se transformando num festejo petista, liderado por Lula –, Lira foi também a ausência mais sentida, juntamente com alguns governadores oposicionistas. Sua queixa ganhou eco em muitos parlamentares e vem de longe: tem origem nas tensas disputas com o Executivo pela captura do Orçamento federal, na insatisfação com os vetos às emendas de comissão e na medida provisória de reoneração da folha de pagamento. Ademais, os ruídos gerados com a excessiva politização do Supremo também provocaram nos últimos meses diversas tentativas de desfazer decisões da Corte – e vice-versa.

Os últimos anos deram ao STF um papel inédito no arranjo institucional brasileiro, transformando a Corte numa arena política e, na prática, fiadora da governabilidade. O Supremo expandiu gradualmente suas prerrogativas para exercer simultaneamente os papéis de intérprete da Constituição e ator legislativo. Na prática e nos discursos, mergulhou sistematicamente em querelas políticas, das quais deveria manter prudente distanciamento. O círculo se completou com a estratégia lulopetista de recorrer à Corte como braço zeloso de sua própria sustentação política, devido a uma coalizão desarrumada e descontente, às dificuldades nada triviais de articulação política com o Congresso e à vocação presidencial para repetir um dos vícios do bolsonarismo que os petistas tanto criticaram: enxergar as instituições como extensão do presidente e de suas ideias e exercer o poder com base em relações de amizade e proximidade.

Tudo somado, convém perguntar se, afinal, as instituições estão funcionando de fato tão bem como Lula, Barroso e Pacheco destacaram com tanta ênfase. A celebração, repita-se, pode até ser justificável na cena pública. Mas no mundo real as tensões existentes deveriam receber atenção especial. As ausências do presidente da Câmara podem unir argumentos aceitáveis e outros questionáveis, mas objetivamente revelam uma crise. Na tal harmonia entre os Poderes, há quem esteja tocando em outro diapasão.

O complicado socorro às aéreas

O Estado de S. Paulo

Agravada pela pandemia, a crise no setor aéreo é mundial e as empresas buscam seus ajustes; um pacote de socorro seria um prejuízo ao governo e apenas um paliativo para as companhias

A crise da aviação no pós-pandemia não é exclusividade das companhias brasileiras. Ao contrário. Interrompido de forma brusca nos dois anos de isolamento social, por medidas ora mais, ora menos rigorosas, o transporte aéreo mundial acumulou perdas em 2020 e 2021 superiores a US$ 200 bilhões, como calculou a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês). O retorno à normalidade encontrou todas tentando juntar os cacos de uma paralisia forçada.

Apesar disso, logo no início da terceira gestão Lula da Silva, antes do marco de cem dias, o então ministro dos Portos e Aeroportos, Márcio França, anunciou que o governo estava preparando um plano de venda de passagens aéreas por R$ 200. A precipitação rendeu uma bronca pública, com Lula referindo-se à proposta como “genialidade” que não havia sido discutida pela Casa Civil. Meses depois, França foi substituído no ministério por Silvio Costa Filho (Republicanos) em acordo para acomodar o Centrão no primeiro escalão do governo. O plano, porém, permaneceu.

A insistência com que Costa Filho continua a fazer os anúncios do Voa Brasil e suas passagens baratas para aposentados e estudantes carentes sugere que a genialidade não era ideia de apenas um ministro. Mais parece o anseio do governo em reeditar de maneira forçada a popularização do transporte aéreo verificada em outro momento. Na época, a conjuntura de elevação do rendimento levou ao aumento da demanda.

Obviamente, não é o caso atual. Não à toa, quase um ano depois, ainda não saiu do papel. Mas volta à tona acompanhada de uma intensa campanha de uma parte do governo por um pacote de socorro que promete capitalizar as companhias aéreas. Não será nada fácil e muito menos prudente, especialmente num período em que o próprio governo precisa reduzir despesas e aumentar a arrecadação para desembaraçar a situação fiscal.

O ministro Costa Filho é pródigo na divulgação de “soluções”. Fala em reduzir o preço do querosene de aviação (QAV), criar um fundo de financiamento da aviação civil para que as empresas comprem aviões, dar crédito específico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e até reduzir a judicialização, como se fosse possível impedir consumidores de recorrerem à Justiça sempre que se sentirem lesados.

O tal fundo contaria com recursos do pagamento de outorgas da privatização de aeroportos, dinheiro contingenciado para melhorar as contas do governo. Não há como puxar o cobertor curto para cobrir as companhias aéreas sem descobrir a meta fiscal. Os aviões usados no transporte aéreo não são próprios – nem no Brasil nem em outros países. São arrendados em contratos de leasing, em contratos que, inclusive, as empresas já tentaram negociar com o BNDES como garantia para novos financiamentos. Seria uma temeridade o governo obrigar o banco estatal a assumir esse risco.

Durante a pandemia, o governo permitiu a renúncia fiscal das companhias aéreas. No fim de 2022, a isenção de PIS/Cofins foi estendida até 2026. A Petrobras reduziu o QAV em quase 41% desde o início de 2023, como informou o presidente da companhia, Jean Paul Prates, em entrevista ao Broadcast/Estadão. Para promover mais cortes, teria de ser ressarcida pelo governo.

Não há solução fácil para o setor aéreo, que no mundo inteiro convive com o histórico de altos custos, margens estreitas de lucro e riscos que independem das companhias, como problemas climáticos e variações cambiais. Todos são problemas amplamente conhecidos pelos agentes do setor. A gestão é o grande diferencial. Varig, Vasp, Transbrasil e Avianca são exemplos recentes em que problemas de gestão aprofundaram os riscos inerentes ao mercado.

Em 2020, a Latam, que detém a maior fatia do mercado nacional, entrou em recuperação judicial nos Estados Unidos. Saiu, reestruturada, no fim de 2022. A Gol acaba de recorrer ao mesmo processo, também nos EUA. O setor tende a se ajustar. Para o governo, é recomendável apenas acompanhar.

Vivendo perigosamente

O Estado de S. Paulo

Cinco anos depois de Brumadinho, 53 barragens do mesmo tipo aguardam desativação

A imagem da câmera de segurança que flagrou, há cinco anos, o rompimento do reservatório de rejeitos da mina da Vale em Brumadinho expôs ao mundo, de forma trágica, o que ocorre com uma barragem a montante monitorada de forma negligente e irresponsável. O próprio termo “barragem a montante” entrou para o vocabulário cotidiano, ilustrando o noticiário sobre as consequências do desastre e apresentando ao cidadão comum o método mais barato – e, infelizmente, mais comum – de descarte dos resíduos da mineração. De forma simplificada, é o depósito de camadas de rejeitos umas sobre as outras.

Depois que a montanha de rejeitos desmoronou, soterrando 270 vítimas, vieram as cobranças das autoridades fiscalizadoras e os compromissos de substituição de todas as barragens a montante por outras, mais caras e mais seguras, num prazo considerado então perfeitamente exequível: três anos, ou seja, até 2022. Hoje, cinco anos depois do desastre e dois após o final do prazo para a substituição, apenas 22% dos 74 reservatórios semelhantes foram de fato desativados, como mostrou reportagem do Estadão. A intenção da Vale, dona da maior parte deles, é inutilizá-los até 2035.

O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as mineradoras, argumenta que o setor busca se adequar às novas leis para garantir a segurança do meio ambiente e das pessoas. Ora, 16 anos para um processo de adequação parece uma jornada longa demais, sob todos os aspectos. Ainda mais diante do elevado risco que representa esse tipo de barragem. Em algumas, o perigo chega ao nível máximo.

Por óbvio, a mudança da metodologia de depósito de rejeitos é de alto custo, mas isso não deveria ser considerado impedimento para uma empresa do porte da Vale, a segunda maior mineradora do mundo – que, aliás, já deveria ter-se empenhado há muito tempo em mudar processos perigosos e obsoletos em suas minas. É inestimável o valor de cada uma das vidas perdidas, e nenhuma indenização será capaz de aplacar a dor das famílias das vítimas.

Se, cinco anos depois da tragédia, é ultrajante constatar que nenhum culpado foi punido criminalmente pelas mortes, apesar de a investigação ter apontado que o comando da Vale foi suficientemente alertado sobre a iminência do desastre, é também estarrecedor saber que 53 barragens ainda aguardam o processo de desativação. De acordo com levantamento da Agência Nacional de Mineração, metade delas está situada em Minas Gerais.

O mínimo que se espera, da empresa, das demais mineradoras e dos órgãos públicos responsáveis pela fiscalização são providências para evitar novos desastres. O rompimento em Brumadinho ocorreu menos de quatro anos depois da tragédia na cidade mineira de Mariana, com uma barragem da Samarco, controlada meio a meio pela Vale e pela anglo-australiana BHP. Foram 19 mortos e um impacto ambiental e socioeconômico sem precedentes ao longo do Rio Doce, que transportou a lama mineral até o mar, no Espírito Santo.

Duas tragédias que poderiam ter sido evitadas, se as empresas tivessem cumprido normas de segurança. É inconcebível que ainda não tenham aprendido.

Ruralistas europeus barram o Mercosul

Correio Braziliense

A alegação dos produtores é a de que não se pode abrir as fronteiras para gigantes agrícolas, em especial o Brasil, sem a garantia de que as regras de concorrência serão as mesmas

Em negociação há mais de 20 anos, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia encontrou uma nova barreira, que, dificilmente, será ultrapassada tão cedo. Diante dos protestos de agricultores se espalhando por vários países da região, o presidente da França, Emmanuel Macron, conseguiu bloquear as conversas que estavam em estágio avançado entre o grupo formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e a Comissão que representa os europeus.

O temor de que as manifestações saiam do controle levou os líderes do Velho Continente a cederem em praticamente todos os pleitos dos ruralistas. A alegação dos produtores é a de que não se pode abrir as fronteiras para gigantes agrícolas, em especial o Brasil, sem a garantia de que as regras de concorrência serão as mesmas. Os europeus dizem que seguem políticas ambientais cada vez mais rígidas, enquanto, no Mercosul, os compromissos são mínimos, inclusive, com o uso de agrotóxicos que foram varridos da União Europeia.

Era grande a expectativa de que o tratado entre os dois blocos comerciais fosse assinado nos próximos meses. Desde que tomou posse, em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio da Silva se empenhou para que as negociações chegassem a um bom termo. O fato de a Espanha assumir a presidência temporária da UE no segundo semestre do ano passado deu uma esperança a mais, dado o compromisso do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, com o acordo. Mas entraves foram se colocando no caminho, como a eleição de Javier Milei na Argentina, e, agora, o repúdio dos agricultores europeus à parceria com os sul-americanos.

Os líderes europeus reconhecem que há um rastilho de pólvora espalhado pela região muito perto de explodir. Os recursos destinados pelos governos ao campo, que representam mais de um terço do Orçamento da União Europeia, já não parecem suficientes. Países periféricos da União Europeia, como Polônia e Bulgária, reclamam que seus produtores agrícolas foram altamente prejudicados por causa das facilidades dadas às importações de grãos da Ucrânia. A concorrência derrubou os preços das principais mercadorias. Tanto que o valor da produção agrícola dos 27 países da UE despencou de 80 bilhões de euros (R$ 448 bilhões) para 58,8 bilhões de euros (R$ 329,3 bilhões) entre 2002 e 2023.

Com menos renda disponível, lidando com custos em altas, como o da energia, e ainda mais dependentes dos governos, os fazendeiros europeus se dizem abandonados. Com esse setor fragilizado, partidos de extrema direita têm se aproveitado dos protestos, que resultam em fechamento de estradas e portos e bloqueios de cidades, para angariar apoio a propostas radicais, inclusive, a de ruptura da UE. Em junho, todos os 27 países do bloco irão às urnas, e as chances de se ter um Parlamento com mais extremistas são grandes. Portanto, reconhecem os líderes de potências, como Alemanha e França, não há espaço para brincar com fogo. É melhor ceder neste momento, do que perder o controle dos movimentos.

O Brasil, frustrado com o bloqueio do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, também deve elevar seu nível de atenção. Os radicais de direita têm usado as imagens dos protestos dos agricultores europeus para insuflar as massas no país. Depois de produções recordes nos últimos anos, o campo brasileiro vai sofrer um baque neste ano devido às questões climáticas. É fundamental que o governo esteja atento às demandas para evitar que tratores e caminhões tomem as ruas, resultando em conflitos desnecessários.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou uma linha de crédito em dólar, no valor de R$ 4 bilhões, para as exportações agrícolas, e outros R$ 2 bilhões para as cooperativas. Mas essas ações podem não ser suficientes para compensar as quebras das safras. Os sinais foram emitidos. Agora, é preciso agir.


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